terça-feira, 10 de agosto de 2010

Foto (01)


com André Valente e José Carlos Azeredo, na ANPOLL, em BH, julho de 2010

Crônica (07)

TRÊS CRONISTAS CONVIDADOS: turma da UNESA, julho de 2010

O trabalho sobre crônicas linguísticas continua. Compartilho agora três textos produzidos por meus alunos do terceiro período de Língua Portuguesa da Universidade Estácio de Sá (turma de 2010-1 do campus Niterói). O tema era MORFOLOGIA do português, assunto de nosso curso.

Os 35 alunos fizeram a escolha das três crônicas abaixo, que vocês lerão na versão final, com os ajustes dados por mim conforme as orientações do curso.

Não deixem de mandar seus comentários!

E O GRITO SE FEZ CANTO (por Alana Carvalho Perez)

São duas da tarde e preciso escrever uma crônica sobre morfologia. Verdadeiramente não sei onde está o substantivo, o adjetivo, o advérbio, o verbo. Quero gritar! Não! Se gritasse, seria tida como louca pelos meus vizinhos. Afinal, ninguém em condições normais anda gritando por aí.

Talvez eu possa cantar. Sim, o verbo expressa uma ação. Mas o meu cantar, que nesse caso é um substantivo, também não agradaria ninguém. E assim é a vida. Se eu canto, posso não agradar, porque o meu canto não é dos melhores. De canto em canto percebo como as palavras são maleáveis e brincam conosco. Ou somos nós que brincamos com elas?

As palavras estão a nossa disposição para serem usadas, abusadas, reutilizadas. Tanto faz de que “caixinha” elas façam parte. Somos nós, os falantes, que vamos moldando e encaixando-as de acordo com nosso interesse. Não sei se estou ficando louca, ou se sou uma louca já há algum tempo. Pensando assim, vejo que adjetivo vira substantivo. O contrário também pode acontecer.

Volto aos tempos do colégio. A grande dúvida dos alunos era o uso do “por que”. Junto ou separado? Com acento ou sem acento? Vai saber?, dizíamos nós. E sofria o pobre professor que tentava em vão explicar que essa palavrinha tão usada, e comumente classificada como advérbio, também pode ser substantivo e até mais do que isso. “Não se esqueçam de que, nessa posição, ele deverá estar junto e com acento circunflexo” dizia o mestre, ou seja, é preciso explicar o porquê do por quê.

Lembro-me por um momento do grito e do canto. Não sei se grito ou se canto. Acalmo-me. Olho pela janela e vejo a Enseada de Botafogo, o mar, o céu. Tudo está calmo; a natureza não compartilha a minha aflição. Silêncio e tranquilidade. Vou então silenciar meu grito e cantarolar baixinho só para relaxar...

No final, tudo se resolve. Pelo menos é o que dizem. E como sou crente... creio.

CERTO OU ERRADO, EIS A QUESTÃO (por Juliana Gomes Miranda)

Estou aqui sentada em frente ao meu computador num dia chuvoso e frio tentando fazer a crônica que o professor de Língua Portuguesa III designou à turma. Não é nada fácil, mas começo a pensar... Penso em escrever sobre a ditongação dos verbos irregulares quando os conjugamos; mas tento milhões de vezes e não consigo escrever nada que seja tão sofisticado e completamente correto. E aí começa o meu problema, ou melhor, o nosso problema!

Escrevendo, acabo por me lembrar de como é comum ouvirmos pelas ruas expressões como “Nós vai amanhã lá”, “Vai dar pra mim ir sim”, “As criança lá da rua são terrível” ou então “Os pessoal tá esperando a gente pro almoço”. A nossa base de conhecimentos nos diz que a utilização de “vai” juntamente com o “nós” está morfossintaticamente incorreta, pois o certo seria “Nós vamos” já que sabemos que a desinência número-pessoal do verbo "ir" no presente do indicativo é –MOS. Também sabemos que o “mim” usado antes do verbo não pode ocupar a função de sujeito. Quanto aos artigos definidos, a regra manda que sejam flexionados de forma a determinar os substantivos com os quais se relacionam.

Esses erros são figurinhas repetidas que ferem a língua padrão e até mesmo nossos ouvidos. São desvios que decorrem da falta de estudo ou da falta de interesse em aprender? Erros de pessoas que não se importaram em estudar? Será mesmo?

Se alguém disser “Ele pediu pra mim digitar isso até amanhã!”, ainda assim não entendemos o que a pessoa quis dizer? Se alguém falar “Me dá dois pastel”, por mais que esteja fora do padrão, não entendemos, não sabemos o que significa? Então, por que esses desvios precisam ser tão repudiados? Por que precisam ser vistos apenas como vocabulário da escória? Ambas as formas, a condizente com a norma padrão, e a que não é, são verdades, são passíveis de entendimento. A diferença está nos fatores sociais, em como e onde são faladas! Enquanto nos meios mais cultos e elitizados a variante prestigiada é a que se encaixa na forma padrão do português, em lugares menos favorecidos, onde se encontram pessoas mais simples e menos escolarizadas, a variante de prestígio é exatamente aquela que renegamos e vemos como estigmatizada.

Isso não quer dizer que todos possamos e devamos falar sem nos importarmos com o que a linguagem padrão do português nos diz. Isso quer dizer que precisamos parar de valorizar as classificações “certo” e “errado”, porque toda língua possui suas variações e cada uma delas é prestigiada em determinados lugar e situação.

E então aqui estou eu, sentada à frente do computador num dia frio e chuvoso, olhando para a tela do Word com novos olhos, olhos de alguém que atinou para a realidade de sua visão estrita e discriminatória das formas de expressão de nossa língua.

NEOLOGISMOS (por Vera Lucia Costa de Paula Antunes)

No Dicionário Aurélio de Língua Portuguesa, consta que um neologismo acontece quando uma palavra usada numa acepção nova torna-se uma nova palavra a partir da primeira já existente. Esse tipo de mudança nos permite falar também em diacronia, fenômeno linguístico que se refere ao que acontece ao longo do tempo.

Observando os noticiários, nos deparamos com bons exemplos para isso. O nome “pizza”, que ainda não sofreu um processo de aportuguesamento gráfico, já foi totalmente abrasileirado e transformado em sua acepção. Hoje, “tudo acaba em pizza” não quer dizer necessariamente que iremos comer essa apetitosa iguaria de origem italiana. O povo diz essa frase quando quer se referir à idéia de que “tudo” acaba em “nada”, significando o “tudo” um monte de não cumprimentos da lei, e o “nada” uma festa, nenhuma punição.

Outro nome curioso é “valerioduto”, que é fruto da reunião do nome próprio Valério, personagem processado por desvio de dinheiro público, e do morfema “duto” que significa “cano que conduz resíduos, água, gás”, tais como aqueduto, gasoduto, por exemplo. A palavra “valerioduto”, que não existia na língua portuguesa, tem o significado de “caminho onde deságua ou circula dinheiro roubado”. Trata-se de uma “lavagem” de dinheiro, também em sentido figurado, pois jamais podemos tomar isto ao pé da letra.

Dessa maneira – hoje vou me deter só nesses dois exemplos – podemos observar alguns dos caminhos que a língua percorre para satisfazer a expressão de emoções e acontecimentos, de forma viva, criativa e flexível, ao bel-prazer dos falantes, num dado momento sincrônico. Ela se torce e contorce na sua morfologia, ganha aqui, perde ali, mas nunca deixa o falante sem solução.

Fonte: UNESA, campus Niterói, 2010.

Crônica (06)

TRÊS CRONISTAS CONVIDADOS: turma da UERJ, julho de 2010

De novo compartilho com vocês um trabalho sobre crônicas linguísticas. Desta feita, meus alunos do terceiro período de Língua Portuguesa da UERJ (turma de 2010-1) deveriam escrever sobre um tema qualquer de SINTAXE do português, assunto de nosso curso.

A turma de 39 alunos selecionou as três crônicas abaixo. Elas estão na versão final, com pequenos ajustes, de acordo com as orientações que dei para o fechamento do texto.

Espero que vocês apreciem... e comentem!

TRAFEGANDO ENTRE VERBOS: UMA QUESTÃO DE TRANSITIVIDADE (por Felipe Moraes Pereira)

Quando achamos que já vimos de tudo e que nada, mas absolutamente nada mesmo, pode ser novo quanto à aquisição de conhecimentos sobre um assunto já estudado no âmbito acadêmico, vem um professor e nos mostra que estamos errados. Isso recentemente aconteceu comigo e minha turma de graduação quando fomos solicitados a refletir sobre a transitividade verbal. Pensei: para que estudar isso se já sabemos tudo?

Foi então que nos deparamos com o tão assustador “complemento relativo”, estudado nas gramáticas dos professores José Carlos de Azeredo e Rocha Lima, entre outras que também focalizam o assunto. Mais tarde, porém, vimos que ele nem era tão assustador assim. Na verdade, é a maneira mais aceitável de se entender que o termo “objeto indireto” (OI) não poderia ser atribuído a todos os complementos verbais antecedidos por uma preposição.

Na oração “Maria gosta de Ricardo”, não podemos dizer, por exemplo, que “de Ricardo” é OI, pois entende-se por objeto indireto o beneficiário da ação denotada pelo verbo, do mesmo modo que, para ser classificado assim, deveria permitir a sua substituição pelo pronome oblíquo átono “lhe”. No entanto, não podemos produzir essa oração da seguinte maneira: “Maria gosta-lhe”. Logo, acho mais plausível deixar o conceito da NGB de lado e seguir o que dizem os autores que citei acima.

Ainda nessa linha de pensamento, podemos observar mais um caso em que a NGB não dá conta da classificação mais adequada ao termo. Para entendermos melhor, vejamos uma outra oração: “Joaquim foi à praia”. A NGB classifica o termo preposicionado como adjunto adverbial, mas por quê? Segundo ela própria, o adjunto adverbial é um termo acessório na oração. Só que, no caso em questão, podemos observar que há uma relação de coocorrência sintática entre o verbo e o complemento. Por isso, para Rocha Lima (entre outros), esse termo é um termo obrigatório para a oração fazer sentido; é o complemento circunstancial, que seria o determinante do verbo ou a expressão que indica uma circunstância qualquer.

A partir dessa análise, fica a dúvida: seguir a NGB ou aceitar essa outra orientação? Bem, eu já fiz a minha escolha. Sigo esse outro caminho, por entendê-lo como uma questão de conceito e aplicabilidade.

QUEM CONTA UM CONTO AUMENTA UM PONTO (por Jhone Carlos da Cruz)

É muito comum encontrar, entre os nativos de língua portuguesa, aqueles que têm dificuldade na construção de períodos e, no amontoado de regras e prescrições sintático-gramaticais, destaca-se a correta colocação de sinais de pontuação.
Certa feita, convidada para ir à recepção de um amigo que voltava do hospital, minha antiga professora da escola municipal em que estudei em São Gonçalo surpreendeu-se com um cartaz que dizia: “Sem seja bem-vindo”. O estranhamento identificado pela professora é totalmente plausível, visto que o uso da preposição 'sem', que é utilizada contrariamente a 'com', estava totalmente impróprio para um cartaz de boas vindas da recepção de alguém que estivera internado num hospital e de fato precisava do carinho e atenção dos amigos e família.

Ao analisar, com cautela, a construção “sem (que) seja bem-vindo”, a docente entendeu que a intenção do autor do cartaz jamais fora destratar o amigo doente, apelidado de Sem pelos amigos, fato que ela desconhecia. Na verdade, a construção incoerente se deu pelo esquecimento da vírgula após a forma carinhosa de chamamento do amigo (“Sem”), que transformaria a tal conjunção em um vocativo e, com isso, permitiria o perfeito entendimento do período: “Sem, seja bem-vindo”.

Esse tipo de má construção de frases causada pela colocação incorreta dos sinais de pontuação é corrente nos textos em geral. Também é frequente encontrar tais desvios nos anúncios comerciais, placas indicativas de estradas e até mesmo em textos acadêmicos e jornalísticos.

Exemplo disto é o seguinte dizer de uma placa fixada em uma estrada: “VENHA CONHECER BONITO O LUGAR MAIS LINDO DO MATO GROSSO DO SUL”. Ao iniciar a análise da oração, qualquer leitor se perguntaria qual é o lugar mais lindo do MS e o porquê da exigência de estar 'bonito' para conhecê-lo. Trata-se, na verdade, de mais um caso de não colocação do sinal de pausa (pontuação), aqui após o objeto direto 'BONITO'. Isso revelaria que ‘O LUGAR MAIS LINDO DO MUNDO’, nesse caso, é um aposto caracterizador do objeto direto e ‘BONITO’ não é um adjetivo funcionando como predicativo do sujeito. Afinal, como diz o cartaz, Bonito é o lugar mais lindo do Mato Grosso do Sul.

Evitar casos de desobediência sintática faz parte de um universo a ser estudado e dominado pelo nativo de língua portuguesa. Os vestibulares e concursos estão abarrotados de questões e pegadinhas desse tipo, e para não ficar para trás o candidato deve estar atento às normas e detalhes de cada construção de frase para que não seja prejudicado na hora da elaboração da redação e da resolução de questões nesses exames.

ODISSEIA PRONOMINAL (por Pedro Passidomo)

Engraçado como se vê, cada dia mais, o descaso das pessoas quanto ao uso dos pronomes oblíquos. Pensando nisso, sentei em uma lanchonete grande aqui no Rio de Janeiro, fazendo questão de me colocar bem perto do balcão, pois queria observar claramente o que a atendente falava.

Entre pratos sujos de molho, refrigerante derramado pelo chão, procurava prestar atenção ao que ela dizia. De repente, a moça me surpreendeu, proferindo uma bela frase: - Senhor, pode aguardar na mesa que nossos atendentes já vão entregá-lo a sua refeição.

Como assim!? Alguém treinado para utilizar a língua, que deve estar pronto para dominá-la perfeitamente, como pode cometer um suicídio linguístico desses? A vontade foi de cortar-me os pulsos (com muita ênfase no processo verbal e no adjunto adnominal). A indignação foi tanta que imaginei a cena. A pobre menina levando seu cliente amarrado e encapuzado, por entre chapas ferventes e óleos escaldantes, até chegarem ao fundo escuro da dispensa. Ela repousa o rapaz em frente a uma porta e lhe diz ao pé do ouvido com um sotaque russo e uma voz rouca, como um ruído metálico: - Conheça agora nosso mestre.

Uma porta se abre e a imagem um tanto ou quanto pitoresca se revela. É ele, o grande rei dos reis, o senhor dos sanduíches, o Peitudão. Um robusto sanduíche, com dois hambúrgueres, duas salsichas, queijo cheddar, bacon, salada, sem faltar o pão gigante com gergelim.

Graças a Deus, fui salvo no clímax dessa história. Voltando porém para a fala da atendente, procurei entender o que a moça dissera. Tudo bem, posso até aceitar que ela não foi contratada para entender que não se usa o pronome oblíquo “o” para objetos indiretos. Compreensível que, entre os oblíquos e os retos, alguns os conheçam somente de "ouvir falar". Mesmo com esses “poréns”, a pérola da moça não fez bem ao meu espírito morfossintático aguçado.

Passada a tragédia auditiva que acabara de presenciar, preferi engolir rápido o pouco de batata que ainda restava e sair dali o mais rápido possivel. Daquela situação ficou bastante clara uma coisa para mim: se os objetos não estão em seu lugar, é melhor não tentar arrumá-los.

Fonte: Instituto de Letras, UERJ, 2010.