quarta-feira, 19 de fevereiro de 2014

Crônica (13)

DOIS CRONISTAS CONVIDADOS

Mais duas crônicas linguísticas para os leitores do blogue. São textos produzidos por dois alunos do quarto período de Língua Portuguesa da UERJ (turma de 2013-2 do Instituto de Letras). O tema era MORFOLOGIA, assunto de nosso curso.

GRAMÁTICA, VIDA E FLEXÕES (por Alberto Lopes)

Se repararmos bem, a vida humana e a gramática fazem paralelo em inúmeras situações. Na vida, há pessoas que agem sempre em prol da comunidade. Por isso, nas suas tomadas de decisão, levam sempre em consideração o respeito ao próximo, relativizando suas ideias, aparando arestas, cedendo e revendo seus conceitos, visando sempre chegar a um denominador comum com seus pares. Em contrapartida, há os ensimesmados, os que veem a vida de forma unilateral, absolutos nas ideias, porque – como diz Caetano – “Narciso acha feio o que não é espelho”. 

Com a gramática não é diferente. Vejamos, por exemplo, o caso da flexão nominal em que substantivos e adjetivos são capazes de cederem, modificando-se para concordarem entre si em gênero e número, e os casos de derivações em que os nomes se modificam apenas para se destacarem dos outros. Em “o povo sábio unido jamais será vencido”, há concordância entre o substantivo “povo” e seus pares “sábio”, “unido” e “vencido”, mas em “o povo sapientíssimo unido jamais será vencido”, o grau superlativo absoluto sintético “sapientíssimo” difere dos outros elementos para atribuir uma qualidade elevada ao substantivo “povo”. 

O interessante, nesse paralelo, é perceber quão descartável é tudo aquilo que vive isolado da sua comunidade. Quem se isola e vive olhando para o próprio umbigo não faz falta a ninguém, da mesma forma que o grau atribuído a uma classe gramatical para singularizá-la também é prescindível. É possível conviver pacificamente com todos os gêneros sociais em qualquer número, mas só até o momento em que uma das partes não se exalta diante da outra. A harmonia entre os termos de uma frase se faz justamente porque há nesses termos a capacidade de cederem para concordarem. Em “ o povo unido jamais será vencido” podemos perceber a ausência do morfema “s”, que só entrará em cena se o substantivo e todos os seus parceiros forem para o plural. Já em “sapientíssimo...”, o adjetivo “sapiente” agrega a si o sufixo “-íssimo”, ou seja, um substantivo ou um adjetivo não cedem para se graduarem, ao contrário, acrescentam para se graduarem e se graduam para se destacarem. Por isso, a única forma de uma palavra se graduar é não concordando com as outras, e só há concordância onde se é capaz de ceder. Flexão é solidariedade, derivação é soledade. Ser flexível é viver em sociedade e perpetuar a vida, ser ensimesmado é viver ilhado em uma autofagia finita. 

Mas, se na gramática não há concordância do número e do gênero com o grau, na sociedade vislumbro uma possibilidade. É possível alguém ser graduado e viver em concordância com os outros gêneros sociais. Para isso, é preciso flexibilizar-se, abster-se dos superlativos que o distanciam do homem comum; dessufixar-se e desinenciar-se para relativizar as regras e horizontalizá-las; ter envergadura suficiente para mirar com bons olhos o que tem a seus pés. Quem sabe assim possamos realizar, na vida, um feito impossível no âmbito gramatical, que é concordarmos em gênero, número e grau, possibilitando a frase “O povívissimo, sapientíssimo unidíssimo, jamaisíssimo será vencidíssimo”. 

Q VC DISSE? (por Pâmela de Paula da Silva)

Depois de muita relutância, decidi criar uma identidade no tal facebook. Não aguentava mais ouvir e não entender os meus alunos dizendo que mandariam o trabalho via “face”, perguntando se eu tinha visto a página tal, o comentário de não sei quem... E lá fui eu criar um perfil, como se não tivesse mais nada para fazer (naquele dia, eu realmente não tinha). 

Minha primeira interação foi com a Carol, uma aluna que mandou a seguinte mensagem: “Oi, prof! Td blz?” Minha resposta foi outra pergunta: “Oi?” Do que ela estava falando? “Prof.” eu até entendi... Mas, o que era “Td” e “blz”? Carol só disse:”OMG! rsrs”. Tudo bem, amanhã vejo isso. 

O assunto do dia seguinte era: Siglas e Abreviaturas. Comecei a aula explicando a importância que elas têm na comunicação escrita e também na falada, por conferir economia de letras ao enunciado e facilitar a comunicação entre diferentes línguas. Dei os exemplos clássicos como ONU, já que todos conhecem. Nem todos conheciam. Carol foi a primeira a perguntar o que era aquilo. Patrícia (Paty, como gostava de ser chamada) logo disse que também nunca havia escutado isso. Como assim? Algo tão importante como a ONU não era conhecido? Segui a aula falando das abreviaturas. Dei outros exemplos, clássicos também, como “masc.”, “fem.”, “admin.”... Só o último Paty conhecia. Falou que aparecia no “face”. Ah! O “face”! Lembrei do que Carol falou ontem e não consegui me segurar, fui no automático: “Carol, o que foi aquilo que você me disse ontem?” 

Todos riram. Não achei graça. Acho que ela já tinha espalhado a notícia. Mesmo assim, não via motivo para o riso. Jorge, que se mostrava o mais compreensivo entre os colegas, falou: “É a economia, professora!” “Hã?” “É que, quando falamos pelo “chat”, também usamos siglas e abreviaturas para o texto não ficar muito grande. É comum. A professora não sabia porque fugia da internet. Agora, já sabe. Viu? Também podemos ensinar algo!” E deu aquele sorriso maroto. 

Quando cheguei a minha casa, abri o facebook. Vi uma mensagem do Jorge: “É q qnd falamos pelo chat, tbm usamos siglas e abrev. p/ o texto ñ ficar mto grd. É comum. A prof ñ sabia pq fugia da net. Agr, já sabe. Viu? Tbm podemos ensinar algo! rsrsrsrsrs” 

A lição que tirei disso? De que adianta teoria se não a usamos na prática cotidiana? 

Fonte: Instituto de Letras, UERJ, 2013.