DUAS CRONISTAS CONVIDADAS
Mais duas crônicas linguísticas para os leitores do blogue. São textos produzidos por duas alunas do quarto período de Língua Portuguesa da UERJ (turma de 2010-2 do Instituto de Letras). O tema era MORFOLOGIA do português, assunto de nosso curso.
A VIDA COM OS ADJETIVOS (por Vanessa Gomes Teixeira)
Acabo de inventar um movimento novo de libertação. Resolvi libertar a classe de palavras mais injustiçada da língua portuguesa, os adjetivos. Não apenas por esse motivo, mas também porque eles são os seres mais bipolares da nossa gramática.
Os adjetivos são tão bipolares que, se não modificarem o substantivo, mudam de classe, como no caso: “Esse homem está doente” e “O doente foi atendido pelo médico”. Na primeira frase, a palavra “doente” funciona como adjetivo, porque modifica o substantivo “homem”; na segunda, como substantivo, pois não muda ninguém, apenas designa o ser sobre o qual queremos falar. Outro exemplo são as frases “O menino rápido comeu seu lanche” e “O menino comeu rápido seu lanche”. Na primeira, “rápido” é adjetivo porque atribui uma característica ao menino citado; já na segunda frase, a palavra desempenha o papel de advérbio porque, nessa sentença, “rápido” não está se relacionando com o substantivo “menino” e sim expressando o modo como ele comeu. O adjetivo muda tanto que, além de mudar o substantivo, ele pode modificar seu próprio sentido – dependendo da posição que ocupa: a expressão “uma menina pobre”, por exemplo, tem o sentido diferente da expressão “uma pobre menina”, mesmo sendo ambas compostas pelas mesmas palavras.
Segundo as gramáticas tradicionais, a definição de adjetivo é “palavra que modifica o substantivo, atribuindo-lhe uma característica”. Vendo dessa forma, ele parece apenas um figurante, que serve de apoio para o protagonista que “designa os seres em geral”. Mas será que ele é um somente um acessório?
O parceiro do adjetivo é o substantivo, classe que tem sua própria independência. Substantivos têm seu sentido completo, adjetivos precisam dos nomes com que irão se relacionar. Porém, não são apenas enfeites, pois afinal são os termos que dão a personalidade de tudo que existe no mundo.
Se a primeira coisa que fizemos foi nomear as coisas, a segunda, com certeza, foi caracterizá-las. Se os substantivos nos permitem categorizar e organizar o mundo, os adjetivos nos permitem especificar esse mundo no qual vivemos. Eles também nos possibilitam esclarecer qual a posição em que nos colocamos ao construir uma sentença e qual é a nossa intenção ao expressá-la. Falar “A menina viu o menino” é bem diferente de “A menina insensível viu o menino triste”. Isso ocorre porque os adjetivos nos permitem demonstrar qual é a nossa visão ao analisarmos uma pessoa ou situação.
Outro recurso que também nos ajuda no processo de posicionamento é a capacidade que essa classe de palavras tem de comparar dois seres ou ressaltar uma qualidade: assim como o comparativo dos substantivos, o superlativo dos adjetivos nos ajuda a individualizar o nome, apresentando características que somente eles possuem ou que eles têm em maior quantidade do que resto do grupo.
De modo geral, os adjetivos não qualificam apenas os nomes, eles transformam a regra em exceção, ou seja, transformam um simples “mais um” em algo único no mundo. Isso porque todos somos categorizados como objetos ou seres, homens ou animais, machos ou fêmeas; mas cada um de nós possui características que nos diferenciam do resto, aquelas que ninguém mais tem e que nos fazem ser exatamente quem somos.
LÍNGUA DINÂMICA (por Claudia Regina de Oliveira)
O perfil das provas de língua portuguesa, seja nos vestibulares, seja nos concursos públicos, vem mudando nos últimos anos. A grande preocupação de outrora era a avaliação dos conhecimentos gramaticais com comandos mais diretos como "Identifique o processo de formação de palavras dos itens abaixo", por exemplo. Atualmente percebemos que há mais questões que integram vários assuntos, podendo uma pergunta de morfologia depender do conhecimento de semântica do concursado. É nesse momento que a percepção da própria língua, por parte do candidato, fará toda a diferença para o seu sucesso.
A derivação imprópria, ou conversão, é um item que costuma figurar nas gramáticas dentro dos processos de formação de palavras. Em suma, trata-se do uso de uma palavra em uma classe gramatical diversa da original. Um caso típico é a transformação de verbo em substantivo com a anteposição de um artigo ou um pronome: "o cantar; meu cantar".
A linguagem coloquial é uma fonte em potencial desse processo. Basta observar frases retiradas do cotidiano tais como: "A garota era crânio" e "Esse Ricardo é muito comédia". Nelas, os substantivos em destaque assumiram valor de adjetivos: crânio pode ser substituído por inteligente e comédia por engraçado. Em “O preço do imóvel caiu bonito”, bonito é um adjetivo com função de advérbio de intensidade, se o interpretarmos como "muito", ou de modo se pensarmos em "rapidamente". Em "Soltou um caraca que o denunciou", uma interjeição típica de um falar regional, uma gíria, foi substantivada. E no exemplo "Vamos esperar papo de meia hora", papo, que é um substantivo, atua como preposição acidental (igual a "em torno de"). Por fim, em "Só aceito o sim como resposta", o advérbio de afirmação funciona como substantivo.
Poderíamos preencher um livro com várias sentenças desse tipo e, mesmo assim, não esgotaríamos os exemplos. A língua é dinâmica e, por isso, os estudantes devem constantemente analisar as expressões que ouvem no dia a dia, pois as bancas têm focado questões de interpretação cujas ferramentas estão nos conhecimentos morfológicos, fonéticos, sintáticos, entre outros e esse saber (eis aí um verbo como substantivo) é um grande diferencial que pode definir a classificação, ou não, do concursando. Por isso, atenção! Pode ser que um trecho do "papo cabeça" que você teve com um amigo apareça numa questão de prova. E, para não perder o ensejo, essa "cabeça" de natureza substantiva, aqui, atuou como adjetivo.
Fonte: Instituto de Letras, UERJ, 2011
quarta-feira, 2 de novembro de 2011
sábado, 30 de julho de 2011
Crônica (08)
A SINTAXE DESIMPORTANTE
[por Pércio Faria Rios, cronista convidado - aluno do terceiro período do Instituto de Letras da UERJ]
Estava lendo Manoel de Barros, dia desses, numa tentativa semidesesperada de encontrar um tema possível para esta crônica sobre sintaxe. Fracassei. Fracassei com o Manoel, como fracassei com o Elomar, como fracassei com os palavrões; e descobri algo importante: não sou do mundo da sintaxe. Na poesia de Manoel de Barros não via sintaxe, só poesia; na música de Elomar só via música e beleza em sua linguagem dialetal sertaneza; quando pensei em palavrões, só conseguia relembrar a emoção de uma palavra “baixa” soltada numa hora alta, de extrema paixão. Senti-me parte das desimportâncias deste mundo, numa espécie de abatimento pitadinho de satisfação. Contudo, continuei lendo o poeta pantaneiro até que me veio o verso: As coisas que não levam a nada têm grande importância.O início, talvez, do meu desfracasso.
Pensei, imediatamente, nos tão desprezados termos acessórios da oração, sem tirar, no entanto, a poesia da cabeça. Esses termos são considerados dispensáveis no contexto oracional; são, em contrapartida, imprescindíveis para o entendimento de certos enunciados. Pensei: um momento! Poesia não se entende. Manoel concordou mais ou menos comigo. Para entender nós temos dois caminhos, disse ele: o da sensibilidade, que é o entendimento do corpo, e o da inteligência, que é o entendimento do espírito. Dei um ok, esperando pelo complemento do poeta, que logo veio: eu escrevo com o corpo. Por trás dessa fala do pantaneiro, entretanto, surgiu-me uma certa visão de uma certa dança: corpo e espírito, num bolero. Manoel escreve com o corpo. Só que não poderia dizer isso sem o auxílio do adjunto adverbial de instrumento, com o corpo. O poeta escreve, mas isso não é poesia. O poeta escreve com o corpo, e isso sim é poesia! Corpo e espírito: poesia e sintaxe!
O adjunto adverbial é esse termo acessório, dispensável, mas que introduz na oração uma circunstância, referindo-se geralmente ao verbo. É indispensável à poesia, que dispensa tudo, menos as coisas dispensáveis deste mundo.
Manoel de Barros não para por aí sua defesa dos oprimidos pela importância: as coisas que não pretendem: pedras que cheiram água, homens que atravessam períodos de árvore, se prestam para poesia. O poeta continua contando com as desimportâncias da linguagem para defender as desimportâncias da poesia: não poderia ele, sem o aposto pedras que cheiram água, homens que atravessam períodos de árvore, outro termo acessório da oração, fazer uma defesa tão bela. O aposto se relaciona com o termo anterior. Neste caso, o aposto que Manoel ab-usou é enumerativo, vem depois de dois pontos, para explicitar ou exemplificar qualquer coisa.
A poesia encontra-se, de fato, na periferia de todas as coisas, fora do núcleo, das obrigatoriedades. Diria o professor de Português: ah, é como o adjunto adnominal! Manoel mudaria de assunto. As crianças escutam a cor dos passarinhos, diria ele. O professor replicaria: pois é, Manoel, dos passarinhos é adjunto adnominal. Está fora do núcleo do objeto direto, a cor, e indica posse.
Pensei que a poesia delirante da palavra não se desse bem com a sintaxe e me enganei. Manoel de Barros me provou o contrário: os cardos que vivem nos pedrouços têm a mesma sintaxe que os escorpiões de areia.
Fonte: Instituto de Letras, UERJ, 2011.
[por Pércio Faria Rios, cronista convidado - aluno do terceiro período do Instituto de Letras da UERJ]
Estava lendo Manoel de Barros, dia desses, numa tentativa semidesesperada de encontrar um tema possível para esta crônica sobre sintaxe. Fracassei. Fracassei com o Manoel, como fracassei com o Elomar, como fracassei com os palavrões; e descobri algo importante: não sou do mundo da sintaxe. Na poesia de Manoel de Barros não via sintaxe, só poesia; na música de Elomar só via música e beleza em sua linguagem dialetal sertaneza; quando pensei em palavrões, só conseguia relembrar a emoção de uma palavra “baixa” soltada numa hora alta, de extrema paixão. Senti-me parte das desimportâncias deste mundo, numa espécie de abatimento pitadinho de satisfação. Contudo, continuei lendo o poeta pantaneiro até que me veio o verso: As coisas que não levam a nada têm grande importância.O início, talvez, do meu desfracasso.
Pensei, imediatamente, nos tão desprezados termos acessórios da oração, sem tirar, no entanto, a poesia da cabeça. Esses termos são considerados dispensáveis no contexto oracional; são, em contrapartida, imprescindíveis para o entendimento de certos enunciados. Pensei: um momento! Poesia não se entende. Manoel concordou mais ou menos comigo. Para entender nós temos dois caminhos, disse ele: o da sensibilidade, que é o entendimento do corpo, e o da inteligência, que é o entendimento do espírito. Dei um ok, esperando pelo complemento do poeta, que logo veio: eu escrevo com o corpo. Por trás dessa fala do pantaneiro, entretanto, surgiu-me uma certa visão de uma certa dança: corpo e espírito, num bolero. Manoel escreve com o corpo. Só que não poderia dizer isso sem o auxílio do adjunto adverbial de instrumento, com o corpo. O poeta escreve, mas isso não é poesia. O poeta escreve com o corpo, e isso sim é poesia! Corpo e espírito: poesia e sintaxe!
O adjunto adverbial é esse termo acessório, dispensável, mas que introduz na oração uma circunstância, referindo-se geralmente ao verbo. É indispensável à poesia, que dispensa tudo, menos as coisas dispensáveis deste mundo.
Manoel de Barros não para por aí sua defesa dos oprimidos pela importância: as coisas que não pretendem: pedras que cheiram água, homens que atravessam períodos de árvore, se prestam para poesia. O poeta continua contando com as desimportâncias da linguagem para defender as desimportâncias da poesia: não poderia ele, sem o aposto pedras que cheiram água, homens que atravessam períodos de árvore, outro termo acessório da oração, fazer uma defesa tão bela. O aposto se relaciona com o termo anterior. Neste caso, o aposto que Manoel ab-usou é enumerativo, vem depois de dois pontos, para explicitar ou exemplificar qualquer coisa.
A poesia encontra-se, de fato, na periferia de todas as coisas, fora do núcleo, das obrigatoriedades. Diria o professor de Português: ah, é como o adjunto adnominal! Manoel mudaria de assunto. As crianças escutam a cor dos passarinhos, diria ele. O professor replicaria: pois é, Manoel, dos passarinhos é adjunto adnominal. Está fora do núcleo do objeto direto, a cor, e indica posse.
Pensei que a poesia delirante da palavra não se desse bem com a sintaxe e me enganei. Manoel de Barros me provou o contrário: os cardos que vivem nos pedrouços têm a mesma sintaxe que os escorpiões de areia.
Fonte: Instituto de Letras, UERJ, 2011.
quinta-feira, 9 de junho de 2011
Resenha (01)
UM GUIA PARA A LEXICOGRAFIA PRÁTICA
ATKINS, B.T. Sue & RUNDELL, Michael. The Oxford Guide to Practical Lexicography. Oxford: OUPress, 2008, 540p.
A quantidade de obras voltadas para os aspectos práticos da lexicografia não é das mais numerosas. Na língua inglesa talvez esteja a maior possibilidade de se encontrarem livros que tratem especificamente da prática lexicográfica, na qual quase obrigatoriamente há sempre uma boa parte dedicada à discussão sobre como fazer e como não fazer dicionários, produto que, a princípio, é o que se espera de um lexicógrafo.
Citemos, entre os principais títulos em língua inglesa, os livros Practical Lexicography: as reader, editado por Thierry Fontenelle (Oxford: OUPress, 2008), Lexicography: an introduction, de Howard Jackson (London: Routldege, 2002), Modern lexicography: an introduction, de Henri Béjoint (Oxford: OUPress, 2000), Teaching and Researching Lexicography, de R. K. Hartmann (Essex: Longman, 2001) e Dictionaries: the art and craft of lexicography, de Sidney I. Landau (Cambridge: CUP, 2001).
Nenhum desses trabalhos tem tradução para o português, havendo em nossa língua um número bem mais discreto de obras publicadas nesse campo. Lembremos, a título de ilustração e homenagem, uma das primeiras contribuições para os estudos lexicográficos do português, o livro de Gladstone Chaves de Melo Dicionários Portugueses, publicado em 1947 (Rio de Janeiro: SD/MEC) e o trabalho de Átila de Almeida (e seu pai Horácio de Almeida), com o curioso título Dicionários: parentes e aderentes (João Pessoa: FENAPE, 1988), na verdade uma bibliografia de dicionários “e livros afins”.
O recente desenvolvimento dos estudos de lexicologia, lexicografia e terminologia no Brasil, sobretudo por conta da atuação do GT da ANPOLL que se dedica a essas três áreas, é uma espécie de contrapartida em relação à falta de iniciativa de nossas editoras de colocarem à disposição dos estudantes universitários a tradução das melhores obras publicadas no exterior, mas já podemos começar a encontrar colegas que se dedicam ao trabalho metalexicográfico (a lexicografia teórica), o qual é em síntese o tema do livro de Sue Atkins e Michael Rundell. Afinal, um guia sobre a prática lexicográfica não deixa de ser um estudo teórico sobre os que os lexicógrafos fazem (este é um dos subtítulos da introdução do livro).
Para nossos alunos de graduação, futuros profissionais especializados no emergente campo da dicionarística e na linguística de corpus, são referências hoje os livros de Francisco da Silva Borba, Organização de Dicionários: uma introdução á Lexicografia (São Paulo: UNESP, 2003), de Herbert Andreas Welker, Dicionários: uma pequena introdução à Lexicografia (Brasília: Thesaurus, 2004), e a coletânea de artigos organizada por Devino João Zamboim Estudos sobre lexicografia (Araraquara-SP: UNESP, 1993), além de vários estudos esparsos publicados em periódicos e revistas especializadas.
Sue Atkins e Michael Rundell são dois professores e pesquisadores com bastante experiência no assunto que abordam no livro publicado pela Oxford University Press. Atkins foi presidenta da Associação Europeia de Lexicografia (EURALEX) e desenvolveu um método pioneiro na elaboração de dicionários bilíngues extraídos de bancos de dados. Entre suas contribuições mais recentes para a linguística de corpus inclui-se a criação do British National Corpus.
Michael Rundell, autor de um conhecido Dicionário de Cricket (obviamente não no Brasil), também atua ao lado de Sue Atkins (e de Adam Kilgarriff) num projeto muito bem sucedido. Os três são consultores e professores em cursos e workshops sobre lexicografia e computação lexical oferecidos em várias partes do mundo e organizados pela Lexmasterclass (cf. www.lexmasterclass.com).
The Oxford Guide to Practical Lexicography é um livro-texto sobre a feitura de dicionários. A obra mostra o passo a passo de um curso de treinamento de lexicógrafos, mas também se propõe a refletir junto com os leitores sobre o trabalho das editoras e das universidades e sobre o ensino da lexicografia como disciplina acadêmica.
Dividida em três partes, focaliza em primeiro lugar a “pré-lexicografia” (p. 15-257), discorrendo sobre os tipos de dicionários e seus usuários, a evidência lexicográfica, métodos e pesquisas, o encontro entre a linguística teórica e a lexicografia, o planejamento de um dicionário e a decisão sobre as estruturas de entrada no dicionário. A segunda parte trata da “análise dos dados” (p. 261-380), discorrendo acerca da construção de bancos de dados, a partir, primeiro, das palavras e seus significados e, depois, das unidades lexicais. Por fim, a “compilação das entradas” (p. 383-514), que aborda as alternativas para a construção de entradas monolíngues ou bilíngues e para a etapa de tradução.
Os autores explicam a relevância e a aplicação de teorias linguísticas recentes, como a “teoria dos protótipos” (prototype theory), que postula não serem homogêneas as categorias da língua, e a “moldura semântica” (frame semantics), que consiste em considerar não ser possível compreender o significado de uma palavra sem acessar o conhecimento nela envolvido.
Ao final de cada capítulo, os autores apresentam sugestões de leitura específicas para o assunto principal nele focalizado e acrescentam outras indicações para aprofundamento de tópicos também abordados. Além disso, a Bibliografia final da obra é composta de uma exaustiva relação de referências (p. 514-530), e a ela se segue um índice por assunto bastante pormenorizado (p. 531-540).
“Aprende-se lexicografia fazendo lexicografia, preparando outras pessoas para fazer lexicografia e conversando sobre lexicografia com os colegas” (p. 9) – afirmam os autores logo no início do livro. Eis então três ótimas motivações para nossos estudos lexicografia.
Fonte: Revista MATRAGA, 26, jan.jun/2010 (Rio de Janeiro: Inst. de Letras, UERJ), p. 170-2.
ATKINS, B.T. Sue & RUNDELL, Michael. The Oxford Guide to Practical Lexicography. Oxford: OUPress, 2008, 540p.
A quantidade de obras voltadas para os aspectos práticos da lexicografia não é das mais numerosas. Na língua inglesa talvez esteja a maior possibilidade de se encontrarem livros que tratem especificamente da prática lexicográfica, na qual quase obrigatoriamente há sempre uma boa parte dedicada à discussão sobre como fazer e como não fazer dicionários, produto que, a princípio, é o que se espera de um lexicógrafo.
Citemos, entre os principais títulos em língua inglesa, os livros Practical Lexicography: as reader, editado por Thierry Fontenelle (Oxford: OUPress, 2008), Lexicography: an introduction, de Howard Jackson (London: Routldege, 2002), Modern lexicography: an introduction, de Henri Béjoint (Oxford: OUPress, 2000), Teaching and Researching Lexicography, de R. K. Hartmann (Essex: Longman, 2001) e Dictionaries: the art and craft of lexicography, de Sidney I. Landau (Cambridge: CUP, 2001).
Nenhum desses trabalhos tem tradução para o português, havendo em nossa língua um número bem mais discreto de obras publicadas nesse campo. Lembremos, a título de ilustração e homenagem, uma das primeiras contribuições para os estudos lexicográficos do português, o livro de Gladstone Chaves de Melo Dicionários Portugueses, publicado em 1947 (Rio de Janeiro: SD/MEC) e o trabalho de Átila de Almeida (e seu pai Horácio de Almeida), com o curioso título Dicionários: parentes e aderentes (João Pessoa: FENAPE, 1988), na verdade uma bibliografia de dicionários “e livros afins”.
O recente desenvolvimento dos estudos de lexicologia, lexicografia e terminologia no Brasil, sobretudo por conta da atuação do GT da ANPOLL que se dedica a essas três áreas, é uma espécie de contrapartida em relação à falta de iniciativa de nossas editoras de colocarem à disposição dos estudantes universitários a tradução das melhores obras publicadas no exterior, mas já podemos começar a encontrar colegas que se dedicam ao trabalho metalexicográfico (a lexicografia teórica), o qual é em síntese o tema do livro de Sue Atkins e Michael Rundell. Afinal, um guia sobre a prática lexicográfica não deixa de ser um estudo teórico sobre os que os lexicógrafos fazem (este é um dos subtítulos da introdução do livro).
Para nossos alunos de graduação, futuros profissionais especializados no emergente campo da dicionarística e na linguística de corpus, são referências hoje os livros de Francisco da Silva Borba, Organização de Dicionários: uma introdução á Lexicografia (São Paulo: UNESP, 2003), de Herbert Andreas Welker, Dicionários: uma pequena introdução à Lexicografia (Brasília: Thesaurus, 2004), e a coletânea de artigos organizada por Devino João Zamboim Estudos sobre lexicografia (Araraquara-SP: UNESP, 1993), além de vários estudos esparsos publicados em periódicos e revistas especializadas.
Sue Atkins e Michael Rundell são dois professores e pesquisadores com bastante experiência no assunto que abordam no livro publicado pela Oxford University Press. Atkins foi presidenta da Associação Europeia de Lexicografia (EURALEX) e desenvolveu um método pioneiro na elaboração de dicionários bilíngues extraídos de bancos de dados. Entre suas contribuições mais recentes para a linguística de corpus inclui-se a criação do British National Corpus.
Michael Rundell, autor de um conhecido Dicionário de Cricket (obviamente não no Brasil), também atua ao lado de Sue Atkins (e de Adam Kilgarriff) num projeto muito bem sucedido. Os três são consultores e professores em cursos e workshops sobre lexicografia e computação lexical oferecidos em várias partes do mundo e organizados pela Lexmasterclass (cf. www.lexmasterclass.com).
The Oxford Guide to Practical Lexicography é um livro-texto sobre a feitura de dicionários. A obra mostra o passo a passo de um curso de treinamento de lexicógrafos, mas também se propõe a refletir junto com os leitores sobre o trabalho das editoras e das universidades e sobre o ensino da lexicografia como disciplina acadêmica.
Dividida em três partes, focaliza em primeiro lugar a “pré-lexicografia” (p. 15-257), discorrendo sobre os tipos de dicionários e seus usuários, a evidência lexicográfica, métodos e pesquisas, o encontro entre a linguística teórica e a lexicografia, o planejamento de um dicionário e a decisão sobre as estruturas de entrada no dicionário. A segunda parte trata da “análise dos dados” (p. 261-380), discorrendo acerca da construção de bancos de dados, a partir, primeiro, das palavras e seus significados e, depois, das unidades lexicais. Por fim, a “compilação das entradas” (p. 383-514), que aborda as alternativas para a construção de entradas monolíngues ou bilíngues e para a etapa de tradução.
Os autores explicam a relevância e a aplicação de teorias linguísticas recentes, como a “teoria dos protótipos” (prototype theory), que postula não serem homogêneas as categorias da língua, e a “moldura semântica” (frame semantics), que consiste em considerar não ser possível compreender o significado de uma palavra sem acessar o conhecimento nela envolvido.
Ao final de cada capítulo, os autores apresentam sugestões de leitura específicas para o assunto principal nele focalizado e acrescentam outras indicações para aprofundamento de tópicos também abordados. Além disso, a Bibliografia final da obra é composta de uma exaustiva relação de referências (p. 514-530), e a ela se segue um índice por assunto bastante pormenorizado (p. 531-540).
“Aprende-se lexicografia fazendo lexicografia, preparando outras pessoas para fazer lexicografia e conversando sobre lexicografia com os colegas” (p. 9) – afirmam os autores logo no início do livro. Eis então três ótimas motivações para nossos estudos lexicografia.
Fonte: Revista MATRAGA, 26, jan.jun/2010 (Rio de Janeiro: Inst. de Letras, UERJ), p. 170-2.
quarta-feira, 26 de janeiro de 2011
Poesia e música (05)
GRAMÁTICO APAIXONADO, de André Conforte e Walace Cestari
Enrolo a língua e fico à míngua
Não faço uma frase.
Quero de fato fazer desse hiato
De novo uma crase.
Meus versos são feitos em forma de oração
Sem subordinação.
Eu sou sujeito e você minha predicação.
Não leve a mal se eu sou radical nessa minha ideia.
Se você vai embora
O orvalho que chora
É uma prosopopeia.
Não meta fora a mim desse nosso assunto
Nós somos conjunto.
Eu quero ser o seu núcleo
E não adjunto.
De qualquer jeito
Eu quero um tempo perfeito de concordância
Com você a dizer:
"Vem cá, meu amor, que hoje é imperativo
Se concretizar esse substantivo
Artigo que me definiu,
Sem você eu não vivo"
Estou com a Norma
Mas isto não é forma de viver feliz.
A Norma é culta
Mas vê se me escuta
Estou por um triz.
Se você fizer questão
Eu lhe peço clemência
Com a máxima urgência.
Dentro do meu coração
Você faz a regência.
Fonte: CD "Pare, Olhe, Escute", do grupo Passagem de Nível (independente, 2008)
Enrolo a língua e fico à míngua
Não faço uma frase.
Quero de fato fazer desse hiato
De novo uma crase.
Meus versos são feitos em forma de oração
Sem subordinação.
Eu sou sujeito e você minha predicação.
Não leve a mal se eu sou radical nessa minha ideia.
Se você vai embora
O orvalho que chora
É uma prosopopeia.
Não meta fora a mim desse nosso assunto
Nós somos conjunto.
Eu quero ser o seu núcleo
E não adjunto.
De qualquer jeito
Eu quero um tempo perfeito de concordância
Com você a dizer:
"Vem cá, meu amor, que hoje é imperativo
Se concretizar esse substantivo
Artigo que me definiu,
Sem você eu não vivo"
Estou com a Norma
Mas isto não é forma de viver feliz.
A Norma é culta
Mas vê se me escuta
Estou por um triz.
Se você fizer questão
Eu lhe peço clemência
Com a máxima urgência.
Dentro do meu coração
Você faz a regência.
Fonte: CD "Pare, Olhe, Escute", do grupo Passagem de Nível (independente, 2008)
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