UM GUIA PARA A LEXICOGRAFIA PRÁTICA
ATKINS, B.T. Sue & RUNDELL, Michael. The Oxford Guide to Practical Lexicography. Oxford: OUPress, 2008, 540p.
A quantidade de obras voltadas para os aspectos práticos da lexicografia não é das mais numerosas. Na língua inglesa talvez esteja a maior possibilidade de se encontrarem livros que tratem especificamente da prática lexicográfica, na qual quase obrigatoriamente há sempre uma boa parte dedicada à discussão sobre como fazer e como não fazer dicionários, produto que, a princípio, é o que se espera de um lexicógrafo.
Citemos, entre os principais títulos em língua inglesa, os livros Practical Lexicography: as reader, editado por Thierry Fontenelle (Oxford: OUPress, 2008), Lexicography: an introduction, de Howard Jackson (London: Routldege, 2002), Modern lexicography: an introduction, de Henri Béjoint (Oxford: OUPress, 2000), Teaching and Researching Lexicography, de R. K. Hartmann (Essex: Longman, 2001) e Dictionaries: the art and craft of lexicography, de Sidney I. Landau (Cambridge: CUP, 2001).
Nenhum desses trabalhos tem tradução para o português, havendo em nossa língua um número bem mais discreto de obras publicadas nesse campo. Lembremos, a título de ilustração e homenagem, uma das primeiras contribuições para os estudos lexicográficos do português, o livro de Gladstone Chaves de Melo Dicionários Portugueses, publicado em 1947 (Rio de Janeiro: SD/MEC) e o trabalho de Átila de Almeida (e seu pai Horácio de Almeida), com o curioso título Dicionários: parentes e aderentes (João Pessoa: FENAPE, 1988), na verdade uma bibliografia de dicionários “e livros afins”.
O recente desenvolvimento dos estudos de lexicologia, lexicografia e terminologia no Brasil, sobretudo por conta da atuação do GT da ANPOLL que se dedica a essas três áreas, é uma espécie de contrapartida em relação à falta de iniciativa de nossas editoras de colocarem à disposição dos estudantes universitários a tradução das melhores obras publicadas no exterior, mas já podemos começar a encontrar colegas que se dedicam ao trabalho metalexicográfico (a lexicografia teórica), o qual é em síntese o tema do livro de Sue Atkins e Michael Rundell. Afinal, um guia sobre a prática lexicográfica não deixa de ser um estudo teórico sobre os que os lexicógrafos fazem (este é um dos subtítulos da introdução do livro).
Para nossos alunos de graduação, futuros profissionais especializados no emergente campo da dicionarística e na linguística de corpus, são referências hoje os livros de Francisco da Silva Borba, Organização de Dicionários: uma introdução á Lexicografia (São Paulo: UNESP, 2003), de Herbert Andreas Welker, Dicionários: uma pequena introdução à Lexicografia (Brasília: Thesaurus, 2004), e a coletânea de artigos organizada por Devino João Zamboim Estudos sobre lexicografia (Araraquara-SP: UNESP, 1993), além de vários estudos esparsos publicados em periódicos e revistas especializadas.
Sue Atkins e Michael Rundell são dois professores e pesquisadores com bastante experiência no assunto que abordam no livro publicado pela Oxford University Press. Atkins foi presidenta da Associação Europeia de Lexicografia (EURALEX) e desenvolveu um método pioneiro na elaboração de dicionários bilíngues extraídos de bancos de dados. Entre suas contribuições mais recentes para a linguística de corpus inclui-se a criação do British National Corpus.
Michael Rundell, autor de um conhecido Dicionário de Cricket (obviamente não no Brasil), também atua ao lado de Sue Atkins (e de Adam Kilgarriff) num projeto muito bem sucedido. Os três são consultores e professores em cursos e workshops sobre lexicografia e computação lexical oferecidos em várias partes do mundo e organizados pela Lexmasterclass (cf. www.lexmasterclass.com).
The Oxford Guide to Practical Lexicography é um livro-texto sobre a feitura de dicionários. A obra mostra o passo a passo de um curso de treinamento de lexicógrafos, mas também se propõe a refletir junto com os leitores sobre o trabalho das editoras e das universidades e sobre o ensino da lexicografia como disciplina acadêmica.
Dividida em três partes, focaliza em primeiro lugar a “pré-lexicografia” (p. 15-257), discorrendo sobre os tipos de dicionários e seus usuários, a evidência lexicográfica, métodos e pesquisas, o encontro entre a linguística teórica e a lexicografia, o planejamento de um dicionário e a decisão sobre as estruturas de entrada no dicionário. A segunda parte trata da “análise dos dados” (p. 261-380), discorrendo acerca da construção de bancos de dados, a partir, primeiro, das palavras e seus significados e, depois, das unidades lexicais. Por fim, a “compilação das entradas” (p. 383-514), que aborda as alternativas para a construção de entradas monolíngues ou bilíngues e para a etapa de tradução.
Os autores explicam a relevância e a aplicação de teorias linguísticas recentes, como a “teoria dos protótipos” (prototype theory), que postula não serem homogêneas as categorias da língua, e a “moldura semântica” (frame semantics), que consiste em considerar não ser possível compreender o significado de uma palavra sem acessar o conhecimento nela envolvido.
Ao final de cada capítulo, os autores apresentam sugestões de leitura específicas para o assunto principal nele focalizado e acrescentam outras indicações para aprofundamento de tópicos também abordados. Além disso, a Bibliografia final da obra é composta de uma exaustiva relação de referências (p. 514-530), e a ela se segue um índice por assunto bastante pormenorizado (p. 531-540).
“Aprende-se lexicografia fazendo lexicografia, preparando outras pessoas para fazer lexicografia e conversando sobre lexicografia com os colegas” (p. 9) – afirmam os autores logo no início do livro. Eis então três ótimas motivações para nossos estudos lexicografia.
Fonte: Revista MATRAGA, 26, jan.jun/2010 (Rio de Janeiro: Inst. de Letras, UERJ), p. 170-2.