CONTÁVEIS X INCONTÁVEIS, de CCH
“Na língua o que vale é o uso”, dizia o
professor numa sala de aula, mas logo acrescentava: “o uso prestigiado pelas
pessoas letradas”. Ele recomendava cuidado com os desvios estigmatizados e com
as acusações promovidas pelos pseudoproprietários da correção de linguagem.
O conselho tinha sido
motivado pelo debate trazido por um aluno, a partir da resposta encontrada num
livro didático. O certo era “ele fez o máximo de cesta” ou “o máximo de
cestas”? O livro dizia que era “cesta”, mas o aluno também queria aceitar
“cestas”. Nessa hora, não vale adotar nenhum raciocínio lógico, filosófico
sobre se a palavra pode ou não estar no singular (afinal, a ideia aí é plural).
O caso não era de confronto entre certo e errado, pois se precisava verificar
duas coisas: o uso e a tipologia dos substantivos nessa posição do sintagma.
Há uma diferença clara entre
substantivos contáveis e não contáveis. São incontáveis nomes como sal, água,
arroz, pipoca, honestidade... e são contáveis nomes como batata, livro, feijão,
bala, sorriso... Assim, nunca (?) diremos “Coloque na comida o máximo de sais”,
“Guardei no reservatório o máximo de águas”, “Você precisa agir com o máximo de
honestidades”, etc. Por outro lado, poderemos dizer “Coloquei no prato o máximo
de feijão/feijões”, “Enchi o bolso com o máximo de bala/balas”, “O jogador fez
o máximo de cesta/cestas”.
A conclusão quanto a essas estruturas
deverá mostrar que, quando se emprega um substantivo do grupo “não contável”,
prevalece a forma singular. Prefere-se “Tenho um monte de pipoca para te
oferecer” a “Tenho um monte de pipocas para te oferecer”, que não está errado
(pois “pipoca” também se pode contar), mas não é a forma mais praticada. Ou “O
armazém vendia um saco de arroz e outro de batata” a “O armazém vendia um saco
de arrozes e outro de batatas”, que são igualmente corretos, pois “arroz” e
“batata” também podem ser contados, embora dificilmente se veja alguém
contabilizando quantos arrozes vão para a panela.
O mesmo critério de observação deve acontecer quando o substantivo pertence ao grupo das coisas “contáveis”. Parece que o uso preferido é o do plural, mas isso pode ser apenas um engano do ouvido autoritário de alguns. Devemos pedir um saco de balas e doces só porque esses substantivos são contáveis e porque o saco, obviamente, conterá um número plural de guloseimas? Se alguém pedir um saco de bala e doce, estará falando errado ou apenas exercendo o seu direito de usar a forma singular com valor plural?
Já dizia Mário Barreto, renomado
filólogo da primeira metade do século passado: “A língua é o que é e não o que
ela deveria ser ou o que quereríamos que ela fosse.” (Últimos
Estudos, 1986, p. 229)
Ao final da aula, o professor mandou o máximo de lembretes (no plural) aos alunos, dizendo-lhes que deveriam fazer o máximo de esforço (no singular) para garantir com o máximo de certeza/certezas (no singular ou no plural) o que aprenderam sobre os usos prestigiados pela comunidade letrada.
Fiquem bem!
Fonte: Instituto de Letras, UERJ, 29/04/2015.