segunda-feira, 15 de abril de 2013

Crônica (11)

ELA ME IRRITA, MAS EU GOSTO
[por Gabrielle Martins Soares, cronista convidada - aluna do quinto período do Instituto de Letras da UERJ]

Não! Respondi sem titubear quando a proposta me foi feita. Como eu poderia aceitar o convite para ser professora de língua portuguesa de um pré-vestibular comunitário, se ainda não me sentia preparada para solucionar as questões problemáticas desse emaranhado de normas que formam a chamada língua culta – ou padrão, para quem tem um maior apreço pelas variações linguísticas?

Para não perder a oportunidade de ganhar o título de professora, peguei a turma de redação, e há três anos me mantenho frente a ela. Ledo engano para quem achou que saber a necessidade de uma introdução, três argumentos e uma conclusão seria o suficiente para dar aulas de produção textual. Ao longo desses anos de “casa”, descobri que, se eu não quisesse me deparar com dúvidas complexas acerca da língua, deveria ser professora de matemática.

Ainda este ano, tive que tirar do bolso a fatídica frase – vou pesquisar e na aula que vem eu te digo – para responder por que malvado é com l, logo após explicar a diferença entre mau e mal. Muitas “aulas que vem” se passaram e eu ainda não descobri. Eventualmente, amorfologia se mostra um problema. Contudo, o que realmente me confunde é a sintaxe, essa bondosa malvada coordenadora de palavras e orações, que assusta desde os pré-vestibulandos até os professores da língua.

Sempre escutei que “nunca se separa sujeito de predicado numa frase escrita na ordem direta” e nunca não permite exceções. E lá estava eu, de frente para um livro que deveria solucionar minhas dúvidas, tentando compreender as regras de subordinação de orações, quando me deparo com um “Quem tudo quer, nada tem”. Opa! Pode isso, Arnaldo? O que aquela virgulazinha está fazendo ali entre o sujeito e o predicado? No canto superior esquerdo do livro está a minha resposta escrita a lápis: a vírgula é por estilo e é permitida. Quando eu escrevi isso? Quando eu aceitei essa explicação sem fazer um escarcéu? A regra é clara. Nunca é nunca. A coordenadora das relações oracionais não deveria permitir isso, mas quando a chefe da empresa, a senhorita Estilística – solteira, nunca se vincula – diz que pode; então, pode.

Eu defendia a ideia de que “toda a regra tem uma exceção”; só que, pelo visto, não ando em consonância com o que costumava afirmar. Não gosto de abrir concessões em alguns casos. Isso me irrita. O verbo ser serve para designar estado, condição, é o famoso verbo de ligação: liga o sujeito ao seu predicativo. Entretanto – tinha que ter um porém –, quando for usado para indicar tempo ou fenômenos meteorológicos, fará parte de uma oração sem sujeito. Em “são duas horas”, por exemplo, são deveria ser verbo de ligação, mas não o é, afinal, está ligando o que, se não há sujeito? E duas horas? Não sendo predicativo, nem objeto direto ou indireto, é o quê? Para finalizar, a parte mais interessante dessa pequena estrutura oracional é que o verbo concorda com o sintagma duas horas, o que quer que este seja. Dentre todos os verbos impessoais que definem tempo, somente o verbo ser varia de acordo com a expressão numérica. Até Hamlet se questionava sobre isso: “Ser ou não ser, eis a questão”.

Expostas algumas das minhas picuinhas com a sintaxe da língua portuguesa, devo confessar que paradoxalmente eu gosto disso tudo. O que me irrita me atrai e quem desdenha quer comprar. O importante é saber que sempre terei uma “aula que vem” e gramáticas não irão me faltar. Dessa vez, quando vier um convite para dar aulas de português, a resposta será sonora. Sim!!!

Fonte: Instituto de Letras, UERJ, 2012.

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