segunda-feira, 20 de janeiro de 2014

MORFOLOGIA - PREFÁCIO DA 4a EDIÇÃO



A fase de transição das reformas na nossa ortografia, a fim de ficar paralela com o calendário adotado em Portugal, foi prorrogada até o final de 2015. Essas mudanças, porém, estão de tal modo consolidadas em nosso País que este Morfologia: estudos lexicais em perspectiva sincrônica precisa retomar seu trajeto e se atualizar. A assinatura do Decreto que promulgou o Acordo Ortográfico resultou na necessidade de que modificássemos este livro em relação às três edições anteriores. A mais importante dessas mudanças é a que decorre das determinações do Acordo quanto ao emprego (e ao não emprego) do hífen. Assim, revimos minuciosamente todas as passagens em que os assuntoscomposição de palavras” e “derivação prefixal” estão envolvidos, mas também foi precisorearrumar” muitas afirmações que se referiam a outros aspectos teóricos.
O texto do Acordo interveio na descrição gramatical e gerou situações embaraçosas para o pesquisador, professor, estudiosoespecialmente nos assuntos de morfologia. Por exemplo, não é mais permitido o uso de hífen depois dos elementosnão” e “quase”. Antes, se escrevia “não-agressão”, “não-eu” ou “quase-contrato”, “quase-irmão”. Agora, essas palavras se escrevem sem hífen. Um pequeno problema seria identificar, após a mudança, qual a classe gramatical de “não” e “quase” nesses sintagmas (advérbios? palavras denotativas?). Problema maior mesmo, porém, é explicar quenão” e “quase”, embora separados das suas palavras parceiras por espaço em branco, continuam sendo chamados de “prefixos” (sic) nas páginas de nossas leis ortográficas... Criou-se então a estranha figura do prefixo que não está agregado ao radical (in+feliz = infeliz) nem está separado dele por hífen (pré+barroco = pré-barroco). Existe (?) agora o prefixo que se separa do radical por um espaço em branco (não + cooperação = não cooperação).
Além disso, há casos que apresentam a identificação, descrição e classificação de morfemas pela tradição praticada em Portugal, colocando em xeque o que se consolidou em nossas terras. Pelo texto do Acordo, lê-se que prefixos são elementos que atuam na composiçãoquando para nós, diferentemente, prefixação é um caso de derivação. São situações que precisam ser esclarecidas, como também as que envolvem antigos substantivos compostos (pé-de-moleque, mula-sem-cabeça), que assumem o status de locuções substantivas, expressões idiomáticas ( de moleque, mula sem cabeça). Perdem, portanto, a condição de “palavra”, que o desaparecimento dos hifens tirou delas a feição de unidade lexical.
Outro dado relevante sobre esta edição se refere à atualização das informações bibliográficas, à inclusão da questão de morfologia proposta no Enade 2011 e à inserção de um Índice por Assuntolacuna resolvida com a competente ajuda do colega André Conforte.
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O leitor desta quarta edição deve então considerá-lo sob essa perspectiva.
Em resumo: novas explicações, novos comentários e novos exercícios, pois também nos estudos da línguaViver é etcétera”...
O Autor

Um comentário:

Unknown disse...

Olá, Grande Mestre.
Como vai?
Matéria interessante (?) ou difícil? Há pouco, fiz parte de um pequeno (ao mesmo tempo maravilhoso) curso de "Estilística". Nosso Mestre teceu alguns comentários sobre as alterações a que o senhor fez referência no texto em tela. A maioria fazendo menção a fatos que o desagradaram. Ele se referiu, também, à questão da utilização ( ou não) do hífen. Disse que mesmo após quase quarenta anos de magistério, vezes e vezes tem que recorrer à Gramática para compor determinada palavra. Parece-me que essa questão ficou ainda pior. A Gramática, ainda hoje, é "ensinada" como algo estanque, como algo a ser decorado, em vez de ser - segundo penso - algo assimilado dentro do contexto literário. O ensino estanque da Gramática assusta muita gente, como sempre me assustou ( o meu primário e ginasial são dos anos de 60 e 70 - são do tempo que a vírgula deveria ser colocada quando nos faltasse ar para continuar o processo respiratório)e continua me assustando. Estudo-a diariamente, mas entre mim e ela existe um fosso céltico. Entretanto, deleito-me (e já estou até mesmo relendo) com a leitura da "Gramática Histórica", de Ismael de Lima Coutinho, enquanto me aguarda a ilustre professora Hilma Ranauro. Professor, parece-me que esse "acordo" foi feito com muita pressa; foi feito sem pensar nas inúmeras consequencias negativas que trouxe à luz. Creio, solitariamente, que a nossa Gramática deve ser algo totalmente independente das demais Gramáticas dos países que falam e escrevem a língua portuguesa. O "Sermo Vulgaris" resistiu há mais de 350 anos de dominação Bárbara para chegar aos povos - creio - liberto. O Português não tem dono; ele é o efeito da resistência imensurável e sempre louvável do "povão" de nações várias, até distantes; ele é sinônimo de luta por libertação, e toda luta por libertação não pode acabar na Bastilha. Acho que é necessário o esforço para respeitarmos mais o nosso Português, assim como - esforço igual - deixar que o Português alheio siga seu caminho. Nossas influências linguísticas sofridas não são - por exemplo - as mesmas que sofreram os ibéricos. Os portugueses se acham independentes, ao ponto de nos criticarem e "troçarem" o nosso falar e escrever. Pois não: que eles vivam em paz, sempre lembrando que em paz necessitamos nós de viver primeiro. Abraço. ED.: lembremo-nos sempre do que nos disse Almeida Garretti (grafia incerta) quando veio nos visitar. Ele, português, disse-nos para parar de imitar as copiar de Europa, para encontrarmos o nosso próprio caminho.