terça-feira, 10 de agosto de 2010

Crônica (06)

TRÊS CRONISTAS CONVIDADOS: turma da UERJ, julho de 2010

De novo compartilho com vocês um trabalho sobre crônicas linguísticas. Desta feita, meus alunos do terceiro período de Língua Portuguesa da UERJ (turma de 2010-1) deveriam escrever sobre um tema qualquer de SINTAXE do português, assunto de nosso curso.

A turma de 39 alunos selecionou as três crônicas abaixo. Elas estão na versão final, com pequenos ajustes, de acordo com as orientações que dei para o fechamento do texto.

Espero que vocês apreciem... e comentem!

TRAFEGANDO ENTRE VERBOS: UMA QUESTÃO DE TRANSITIVIDADE (por Felipe Moraes Pereira)

Quando achamos que já vimos de tudo e que nada, mas absolutamente nada mesmo, pode ser novo quanto à aquisição de conhecimentos sobre um assunto já estudado no âmbito acadêmico, vem um professor e nos mostra que estamos errados. Isso recentemente aconteceu comigo e minha turma de graduação quando fomos solicitados a refletir sobre a transitividade verbal. Pensei: para que estudar isso se já sabemos tudo?

Foi então que nos deparamos com o tão assustador “complemento relativo”, estudado nas gramáticas dos professores José Carlos de Azeredo e Rocha Lima, entre outras que também focalizam o assunto. Mais tarde, porém, vimos que ele nem era tão assustador assim. Na verdade, é a maneira mais aceitável de se entender que o termo “objeto indireto” (OI) não poderia ser atribuído a todos os complementos verbais antecedidos por uma preposição.

Na oração “Maria gosta de Ricardo”, não podemos dizer, por exemplo, que “de Ricardo” é OI, pois entende-se por objeto indireto o beneficiário da ação denotada pelo verbo, do mesmo modo que, para ser classificado assim, deveria permitir a sua substituição pelo pronome oblíquo átono “lhe”. No entanto, não podemos produzir essa oração da seguinte maneira: “Maria gosta-lhe”. Logo, acho mais plausível deixar o conceito da NGB de lado e seguir o que dizem os autores que citei acima.

Ainda nessa linha de pensamento, podemos observar mais um caso em que a NGB não dá conta da classificação mais adequada ao termo. Para entendermos melhor, vejamos uma outra oração: “Joaquim foi à praia”. A NGB classifica o termo preposicionado como adjunto adverbial, mas por quê? Segundo ela própria, o adjunto adverbial é um termo acessório na oração. Só que, no caso em questão, podemos observar que há uma relação de coocorrência sintática entre o verbo e o complemento. Por isso, para Rocha Lima (entre outros), esse termo é um termo obrigatório para a oração fazer sentido; é o complemento circunstancial, que seria o determinante do verbo ou a expressão que indica uma circunstância qualquer.

A partir dessa análise, fica a dúvida: seguir a NGB ou aceitar essa outra orientação? Bem, eu já fiz a minha escolha. Sigo esse outro caminho, por entendê-lo como uma questão de conceito e aplicabilidade.

QUEM CONTA UM CONTO AUMENTA UM PONTO (por Jhone Carlos da Cruz)

É muito comum encontrar, entre os nativos de língua portuguesa, aqueles que têm dificuldade na construção de períodos e, no amontoado de regras e prescrições sintático-gramaticais, destaca-se a correta colocação de sinais de pontuação.
Certa feita, convidada para ir à recepção de um amigo que voltava do hospital, minha antiga professora da escola municipal em que estudei em São Gonçalo surpreendeu-se com um cartaz que dizia: “Sem seja bem-vindo”. O estranhamento identificado pela professora é totalmente plausível, visto que o uso da preposição 'sem', que é utilizada contrariamente a 'com', estava totalmente impróprio para um cartaz de boas vindas da recepção de alguém que estivera internado num hospital e de fato precisava do carinho e atenção dos amigos e família.

Ao analisar, com cautela, a construção “sem (que) seja bem-vindo”, a docente entendeu que a intenção do autor do cartaz jamais fora destratar o amigo doente, apelidado de Sem pelos amigos, fato que ela desconhecia. Na verdade, a construção incoerente se deu pelo esquecimento da vírgula após a forma carinhosa de chamamento do amigo (“Sem”), que transformaria a tal conjunção em um vocativo e, com isso, permitiria o perfeito entendimento do período: “Sem, seja bem-vindo”.

Esse tipo de má construção de frases causada pela colocação incorreta dos sinais de pontuação é corrente nos textos em geral. Também é frequente encontrar tais desvios nos anúncios comerciais, placas indicativas de estradas e até mesmo em textos acadêmicos e jornalísticos.

Exemplo disto é o seguinte dizer de uma placa fixada em uma estrada: “VENHA CONHECER BONITO O LUGAR MAIS LINDO DO MATO GROSSO DO SUL”. Ao iniciar a análise da oração, qualquer leitor se perguntaria qual é o lugar mais lindo do MS e o porquê da exigência de estar 'bonito' para conhecê-lo. Trata-se, na verdade, de mais um caso de não colocação do sinal de pausa (pontuação), aqui após o objeto direto 'BONITO'. Isso revelaria que ‘O LUGAR MAIS LINDO DO MUNDO’, nesse caso, é um aposto caracterizador do objeto direto e ‘BONITO’ não é um adjetivo funcionando como predicativo do sujeito. Afinal, como diz o cartaz, Bonito é o lugar mais lindo do Mato Grosso do Sul.

Evitar casos de desobediência sintática faz parte de um universo a ser estudado e dominado pelo nativo de língua portuguesa. Os vestibulares e concursos estão abarrotados de questões e pegadinhas desse tipo, e para não ficar para trás o candidato deve estar atento às normas e detalhes de cada construção de frase para que não seja prejudicado na hora da elaboração da redação e da resolução de questões nesses exames.

ODISSEIA PRONOMINAL (por Pedro Passidomo)

Engraçado como se vê, cada dia mais, o descaso das pessoas quanto ao uso dos pronomes oblíquos. Pensando nisso, sentei em uma lanchonete grande aqui no Rio de Janeiro, fazendo questão de me colocar bem perto do balcão, pois queria observar claramente o que a atendente falava.

Entre pratos sujos de molho, refrigerante derramado pelo chão, procurava prestar atenção ao que ela dizia. De repente, a moça me surpreendeu, proferindo uma bela frase: - Senhor, pode aguardar na mesa que nossos atendentes já vão entregá-lo a sua refeição.

Como assim!? Alguém treinado para utilizar a língua, que deve estar pronto para dominá-la perfeitamente, como pode cometer um suicídio linguístico desses? A vontade foi de cortar-me os pulsos (com muita ênfase no processo verbal e no adjunto adnominal). A indignação foi tanta que imaginei a cena. A pobre menina levando seu cliente amarrado e encapuzado, por entre chapas ferventes e óleos escaldantes, até chegarem ao fundo escuro da dispensa. Ela repousa o rapaz em frente a uma porta e lhe diz ao pé do ouvido com um sotaque russo e uma voz rouca, como um ruído metálico: - Conheça agora nosso mestre.

Uma porta se abre e a imagem um tanto ou quanto pitoresca se revela. É ele, o grande rei dos reis, o senhor dos sanduíches, o Peitudão. Um robusto sanduíche, com dois hambúrgueres, duas salsichas, queijo cheddar, bacon, salada, sem faltar o pão gigante com gergelim.

Graças a Deus, fui salvo no clímax dessa história. Voltando porém para a fala da atendente, procurei entender o que a moça dissera. Tudo bem, posso até aceitar que ela não foi contratada para entender que não se usa o pronome oblíquo “o” para objetos indiretos. Compreensível que, entre os oblíquos e os retos, alguns os conheçam somente de "ouvir falar". Mesmo com esses “poréns”, a pérola da moça não fez bem ao meu espírito morfossintático aguçado.

Passada a tragédia auditiva que acabara de presenciar, preferi engolir rápido o pouco de batata que ainda restava e sair dali o mais rápido possivel. Daquela situação ficou bastante clara uma coisa para mim: se os objetos não estão em seu lugar, é melhor não tentar arrumá-los.

Fonte: Instituto de Letras, UERJ, 2010.

3 comentários:

Jhone Carlos disse...

Gostaria de agradecer aos colegas que votaram em minha crônica e parabenizar os companheiros Felipe e Pedro pelos trabalhos aqui representados. Agradecer também ao professor Cláudio e dizer que as aulas de Língua Portuguesa e a metodologia nelas empregadas contriburam muito para o aperfeiçoamento e progresso de minha escrita.
Att,

Jhone Carlos

Anônimo disse...

Parabenizo aos colegas de sala Jhone e Pedro pelas crônicas, bem como aos demais que aqui não estão expostos; agradeço aos que votaram em minha crônica e estendo esse agradecimento ao professor Clauido pela iniciativa e a alguém muito especial, Tania Maria Camara, professora de Língua Portuguesa da Uerj, um espelho para mim.

Abraços,
Felipe Moraes

Anônimo disse...

Claudio* (foi erro de digitação)

Abraços,
Felipe Moraes