TRÊS CRONISTAS CONVIDADOS: turma da UNESA, julho de 2010
O trabalho sobre crônicas linguísticas continua. Compartilho agora três textos produzidos por meus alunos do terceiro período de Língua Portuguesa da Universidade Estácio de Sá (turma de 2010-1 do campus Niterói). O tema era MORFOLOGIA do português, assunto de nosso curso.
Os 35 alunos fizeram a escolha das três crônicas abaixo, que vocês lerão na versão final, com os ajustes dados por mim conforme as orientações do curso.
Não deixem de mandar seus comentários!
E O GRITO SE FEZ CANTO (por Alana Carvalho Perez)
São duas da tarde e preciso escrever uma crônica sobre morfologia. Verdadeiramente não sei onde está o substantivo, o adjetivo, o advérbio, o verbo. Quero gritar! Não! Se gritasse, seria tida como louca pelos meus vizinhos. Afinal, ninguém em condições normais anda gritando por aí.
Talvez eu possa cantar. Sim, o verbo expressa uma ação. Mas o meu cantar, que nesse caso é um substantivo, também não agradaria ninguém. E assim é a vida. Se eu canto, posso não agradar, porque o meu canto não é dos melhores. De canto em canto percebo como as palavras são maleáveis e brincam conosco. Ou somos nós que brincamos com elas?
As palavras estão a nossa disposição para serem usadas, abusadas, reutilizadas. Tanto faz de que “caixinha” elas façam parte. Somos nós, os falantes, que vamos moldando e encaixando-as de acordo com nosso interesse. Não sei se estou ficando louca, ou se sou uma louca já há algum tempo. Pensando assim, vejo que adjetivo vira substantivo. O contrário também pode acontecer.
Volto aos tempos do colégio. A grande dúvida dos alunos era o uso do “por que”. Junto ou separado? Com acento ou sem acento? Vai saber?, dizíamos nós. E sofria o pobre professor que tentava em vão explicar que essa palavrinha tão usada, e comumente classificada como advérbio, também pode ser substantivo e até mais do que isso. “Não se esqueçam de que, nessa posição, ele deverá estar junto e com acento circunflexo” dizia o mestre, ou seja, é preciso explicar o porquê do por quê.
Lembro-me por um momento do grito e do canto. Não sei se grito ou se canto. Acalmo-me. Olho pela janela e vejo a Enseada de Botafogo, o mar, o céu. Tudo está calmo; a natureza não compartilha a minha aflição. Silêncio e tranquilidade. Vou então silenciar meu grito e cantarolar baixinho só para relaxar...
No final, tudo se resolve. Pelo menos é o que dizem. E como sou crente... creio.
CERTO OU ERRADO, EIS A QUESTÃO (por Juliana Gomes Miranda)
Estou aqui sentada em frente ao meu computador num dia chuvoso e frio tentando fazer a crônica que o professor de Língua Portuguesa III designou à turma. Não é nada fácil, mas começo a pensar... Penso em escrever sobre a ditongação dos verbos irregulares quando os conjugamos; mas tento milhões de vezes e não consigo escrever nada que seja tão sofisticado e completamente correto. E aí começa o meu problema, ou melhor, o nosso problema!
Escrevendo, acabo por me lembrar de como é comum ouvirmos pelas ruas expressões como “Nós vai amanhã lá”, “Vai dar pra mim ir sim”, “As criança lá da rua são terrível” ou então “Os pessoal tá esperando a gente pro almoço”. A nossa base de conhecimentos nos diz que a utilização de “vai” juntamente com o “nós” está morfossintaticamente incorreta, pois o certo seria “Nós vamos” já que sabemos que a desinência número-pessoal do verbo "ir" no presente do indicativo é –MOS. Também sabemos que o “mim” usado antes do verbo não pode ocupar a função de sujeito. Quanto aos artigos definidos, a regra manda que sejam flexionados de forma a determinar os substantivos com os quais se relacionam.
Esses erros são figurinhas repetidas que ferem a língua padrão e até mesmo nossos ouvidos. São desvios que decorrem da falta de estudo ou da falta de interesse em aprender? Erros de pessoas que não se importaram em estudar? Será mesmo?
Se alguém disser “Ele pediu pra mim digitar isso até amanhã!”, ainda assim não entendemos o que a pessoa quis dizer? Se alguém falar “Me dá dois pastel”, por mais que esteja fora do padrão, não entendemos, não sabemos o que significa? Então, por que esses desvios precisam ser tão repudiados? Por que precisam ser vistos apenas como vocabulário da escória? Ambas as formas, a condizente com a norma padrão, e a que não é, são verdades, são passíveis de entendimento. A diferença está nos fatores sociais, em como e onde são faladas! Enquanto nos meios mais cultos e elitizados a variante prestigiada é a que se encaixa na forma padrão do português, em lugares menos favorecidos, onde se encontram pessoas mais simples e menos escolarizadas, a variante de prestígio é exatamente aquela que renegamos e vemos como estigmatizada.
Isso não quer dizer que todos possamos e devamos falar sem nos importarmos com o que a linguagem padrão do português nos diz. Isso quer dizer que precisamos parar de valorizar as classificações “certo” e “errado”, porque toda língua possui suas variações e cada uma delas é prestigiada em determinados lugar e situação.
E então aqui estou eu, sentada à frente do computador num dia frio e chuvoso, olhando para a tela do Word com novos olhos, olhos de alguém que atinou para a realidade de sua visão estrita e discriminatória das formas de expressão de nossa língua.
NEOLOGISMOS (por Vera Lucia Costa de Paula Antunes)
No Dicionário Aurélio de Língua Portuguesa, consta que um neologismo acontece quando uma palavra usada numa acepção nova torna-se uma nova palavra a partir da primeira já existente. Esse tipo de mudança nos permite falar também em diacronia, fenômeno linguístico que se refere ao que acontece ao longo do tempo.
Observando os noticiários, nos deparamos com bons exemplos para isso. O nome “pizza”, que ainda não sofreu um processo de aportuguesamento gráfico, já foi totalmente abrasileirado e transformado em sua acepção. Hoje, “tudo acaba em pizza” não quer dizer necessariamente que iremos comer essa apetitosa iguaria de origem italiana. O povo diz essa frase quando quer se referir à idéia de que “tudo” acaba em “nada”, significando o “tudo” um monte de não cumprimentos da lei, e o “nada” uma festa, nenhuma punição.
Outro nome curioso é “valerioduto”, que é fruto da reunião do nome próprio Valério, personagem processado por desvio de dinheiro público, e do morfema “duto” que significa “cano que conduz resíduos, água, gás”, tais como aqueduto, gasoduto, por exemplo. A palavra “valerioduto”, que não existia na língua portuguesa, tem o significado de “caminho onde deságua ou circula dinheiro roubado”. Trata-se de uma “lavagem” de dinheiro, também em sentido figurado, pois jamais podemos tomar isto ao pé da letra.
Dessa maneira – hoje vou me deter só nesses dois exemplos – podemos observar alguns dos caminhos que a língua percorre para satisfazer a expressão de emoções e acontecimentos, de forma viva, criativa e flexível, ao bel-prazer dos falantes, num dado momento sincrônico. Ela se torce e contorce na sua morfologia, ganha aqui, perde ali, mas nunca deixa o falante sem solução.
Fonte: UNESA, campus Niterói, 2010.
Um comentário:
Que bom vee a minha crônica aqui, no seu blog, professor! Obrigada.
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