DOIS CRONISTAS CONVIDADOS
Mais duas crônicas linguísticas para os leitores do blogue. São textos produzidos por dois alunos do quarto período de Língua Portuguesa da UERJ (turma de 2013-2 do Instituto de Letras). O tema era MORFOLOGIA, assunto de nosso curso.
GRAMÁTICA, VIDA E FLEXÕES (por Alberto Lopes)
Se repararmos bem, a vida humana e a gramática fazem paralelo em inúmeras situações. Na vida, há pessoas que agem sempre em prol da comunidade. Por isso, nas suas tomadas de decisão, levam sempre em consideração o respeito ao próximo, relativizando suas ideias, aparando arestas, cedendo e revendo seus conceitos, visando sempre chegar a um denominador comum com seus pares. Em contrapartida, há os ensimesmados, os que veem a vida de forma unilateral, absolutos nas ideias, porque – como diz Caetano – “Narciso acha feio o que não é espelho”.
Com a gramática não é diferente. Vejamos, por exemplo, o caso da flexão nominal em que substantivos e adjetivos são capazes de cederem, modificando-se para concordarem entre si em gênero e número, e os casos de derivações em que os nomes se modificam apenas para se destacarem dos outros. Em “o povo sábio unido jamais será vencido”, há concordância entre o substantivo “povo” e seus pares “sábio”, “unido” e “vencido”, mas em “o povo sapientíssimo unido jamais será vencido”, o grau superlativo absoluto sintético “sapientíssimo” difere dos outros elementos para atribuir uma qualidade elevada ao substantivo “povo”.
O interessante, nesse paralelo, é perceber quão descartável é tudo aquilo que vive isolado da sua comunidade. Quem se isola e vive olhando para o próprio umbigo não faz falta a ninguém, da mesma forma que o grau atribuído a uma classe gramatical para singularizá-la também é prescindível. É possível conviver pacificamente com todos os gêneros sociais em qualquer número, mas só até o momento em que uma das partes não se exalta diante da outra. A harmonia entre os termos de uma frase se faz justamente porque há nesses termos a capacidade de cederem para concordarem. Em “ o povo unido jamais será vencido” podemos perceber a ausência do morfema “s”, que só entrará em cena se o substantivo e todos os seus parceiros forem para o plural. Já em “sapientíssimo...”, o adjetivo “sapiente” agrega a si o sufixo “-íssimo”, ou seja, um substantivo ou um adjetivo não cedem para se graduarem, ao contrário, acrescentam para se graduarem e se graduam para se destacarem. Por isso, a única forma de uma palavra se graduar é não concordando com as outras, e só há concordância onde se é capaz de ceder. Flexão é solidariedade, derivação é soledade. Ser flexível é viver em sociedade e perpetuar a vida, ser ensimesmado é viver ilhado em uma autofagia finita.
Mas, se na gramática não há concordância do número e do gênero com o grau, na sociedade vislumbro uma possibilidade. É possível alguém ser graduado e viver em concordância com os outros gêneros sociais. Para isso, é preciso flexibilizar-se, abster-se dos superlativos que o distanciam do homem comum; dessufixar-se e desinenciar-se para relativizar as regras e horizontalizá-las; ter envergadura suficiente para mirar com bons olhos o que tem a seus pés. Quem sabe assim possamos realizar, na vida, um feito impossível no âmbito gramatical, que é concordarmos em gênero, número e grau, possibilitando a frase “O povívissimo, sapientíssimo unidíssimo, jamaisíssimo será vencidíssimo”.
Q VC DISSE? (por Pâmela de Paula da Silva)
Depois de muita relutância, decidi criar uma identidade no tal facebook. Não aguentava mais ouvir e não entender os meus alunos dizendo que mandariam o trabalho via “face”, perguntando se eu tinha visto a página tal, o comentário de não sei quem... E lá fui eu criar um perfil, como se não tivesse mais nada para fazer (naquele dia, eu realmente não tinha).
Minha primeira interação foi com a Carol, uma aluna que mandou a seguinte mensagem: “Oi, prof! Td blz?” Minha resposta foi outra pergunta: “Oi?” Do que ela estava falando? “Prof.” eu até entendi... Mas, o que era “Td” e “blz”? Carol só disse:”OMG! rsrs”. Tudo bem, amanhã vejo isso.
O assunto do dia seguinte era: Siglas e Abreviaturas. Comecei a aula explicando a importância que elas têm na comunicação escrita e também na falada, por conferir economia de letras ao enunciado e facilitar a comunicação entre diferentes línguas. Dei os exemplos clássicos como ONU, já que todos conhecem. Nem todos conheciam. Carol foi a primeira a perguntar o que era aquilo. Patrícia (Paty, como gostava de ser chamada) logo disse que também nunca havia escutado isso. Como assim? Algo tão importante como a ONU não era conhecido? Segui a aula falando das abreviaturas. Dei outros exemplos, clássicos também, como “masc.”, “fem.”, “admin.”... Só o último Paty conhecia. Falou que aparecia no “face”. Ah! O “face”! Lembrei do que Carol falou ontem e não consegui me segurar, fui no automático: “Carol, o que foi aquilo que você me disse ontem?”
Todos riram. Não achei graça. Acho que ela já tinha espalhado a notícia. Mesmo assim, não via motivo para o riso. Jorge, que se mostrava o mais compreensivo entre os colegas, falou: “É a economia, professora!” “Hã?” “É que, quando falamos pelo “chat”, também usamos siglas e abreviaturas para o texto não ficar muito grande. É comum. A professora não sabia porque fugia da internet. Agora, já sabe. Viu? Também podemos ensinar algo!” E deu aquele sorriso maroto.
Quando cheguei a minha casa, abri o facebook. Vi uma mensagem do Jorge: “É q qnd falamos pelo chat, tbm usamos siglas e abrev. p/ o texto ñ ficar mto grd. É comum. A prof ñ sabia pq fugia da net. Agr, já sabe. Viu? Tbm podemos ensinar algo! rsrsrsrsrs”
A lição que tirei disso? De que adianta teoria se não a usamos na prática cotidiana?
Fonte: Instituto de Letras, UERJ, 2013.
9 comentários:
Olá! Profº. Cláudio, Li a crônica de Flávio sobre a concordância entre as palavras e a de Pâmela sobre as reduções das palavras no Facebook. Achei os textos bem atuais e fiquei pensando nos fatores tempo e velocidade da Internet,como possíveis motivadores... Um abraço, Profª. Vanessa
Nesse caso, podemos relacionar o uso da redução das palavras do Facebook àquela metáfora do tempo, que pode ser consumido, gasto, desperdiçado se não for bem aproveitado.
Chega a ser uma questão existencial também, já que o ser precisa escrever de forma rápida tudo aquilo que quer transmitir em sua comunicação dentro do seu curso efêmero de vida.
Em termos de Estrutura da Comunicação, podemos ter um emissor que fala e um receptor que responde e que, por sua vez, se torna emissor ao emitir uma outra opinião, que pode desencadear uma outra resposta, como ocorre no Facebook, Watsapp, entre outras mídias sociais.
Dessa maneira, o processo é interativo, considerando que emissor e receptor compartilham informações de forma contínua, podendo usar palavras reduzidas num contexto mais informal.
Um abraço, Prof. Vanessa
muito bom!!!!
seguindo
straightpathh.blogspot.com.br
muito bom!!!!
seguindo
straightpathh.blogspot.com.br
Olá Professor !
Fui sua aluna na UERJ(não sei se vai se lembrar, claro...entre tantos alunos).Mas enfim, minha monografia foi sobre o primeiro capítulo da Gramática do Professor Evanildo Bechara, onde fiz uma comparação entre a edição antiga e a atual.
Um grande abraço !!
Hola! Este artículo no se podría escribir nada mejor!
La lectura de este post me recuerda a mi compañero de habitación de edad!
Él siempre mantuvo charlando sobre esto. Voy a enviar esta página a él.
Bastante seguro de que tendrá una buena lectura. Gracias por compartir!
(sobre : "Gramática, vida e reflexão".)
Sobre uma pequena parte (um recorte - com licença)
Eu procuro entender o que se estabelece como norma, no que tange aos infindáveis paralelos gramaticais, aos seus incontáveis e "necessários" equilíbrios. Mas não posso concordar com o "traçado" que se procurou fazer com determinada condição e dor humanas.
Talvez um paralelo "gramático-filosófico", ou "gramático-físico", ou ainda "gramático-psicológico" fossem mais cabidos.
O 'narcísico' é humano. O narcisismo é doentiamente humano. Apreciar-se é saudável. Afogar-se na própria imagem é destrutivo.
Repare-se que o que vive isolado não come, necessariamente, a própria carne (autofagia - considerem-se aqui, também, as abordagens psicológica ou metafórica). Repare-se, ainda, que o que se isola - vezes - o faz até mesmo para proteger o seu próximo, o seu par, os seus amores.
A pessoa que se isola - qual uma "intercalação" no período - por motivos que não remetem ao narcisismo, tem o seu direito, visto considerar o grau de sua dor, que sempre acarreta em uma necessidade, a necessidade só de si. Essas pessoas fazem falta, sim, a quem os ama, que, consequentemente, como o 'isolado', submetem-se a dores, a dores sem medidas.
A necessidade - por estar vivo - de ser (e aqui resgato uma palavra à Física) "resiliente" é o marco necessário entre o suicídio e a alternativa, como referi, de ser resiliente.
O "grau" como agirá um ser para reerguer-se da poeira da estrada deserta que se lhe descortinou a vida, será sempre "indeterminado", utilizando, mais uma vez, um dos inúmeros itens da gramática (com licença!).
A gramática da língua jamais expressará - mesmo considerando a sua relação interna pobreza (originária) - riqueza (que o tempo lhe concedeu) - a dor da gramática da vida: são linhas paralelas.
A gramática da vida - peço licença mais uma vez para usar esta palavra - é bem (e ainda!) mais complexa, pois suas "concordâncias", "regências", "substantivizações", "adjetivizações", "flexões verbas", etc., são plenamente claudicantes, oscilantes, turvadas, indefiníveis, secretas, surpreendentes... Em uma palavra: resultam em intempéries!... Nunca se sabe ou se decora nada sobre ela: aqui, de um jeito; logo ali, de um outro jeito.
A gramática estanque e a gramática (da vida - plenamente aberta ao riso e ao pranto - referi)são entidades autônomas e muitíssimo interessantes, mas, de forma alguma, suas "concordâncias" e discordâncias podem ser postas em uma mesma balança.
Finalizando, recurso gramatical algum pode justificar a dor do isolamento. A teoria - como se diz - na prática é outra.
(eu amo a Gramática da Língua Portuguesa!)
Sobre" "Q você disse?"
Eu me retirei do "Face. Quando aderi à imposição mundial, imaginava que o instrumento me serviria para "trocar" informações de que mais gosto: Literatura (prosa - verso), entre outras mais áreas do pensamento.
Uma das primeiras observações que inevitavelmente fiz foi a de que não habito mais a Terra, mas o céu. Disse: "eu agora sou um santo!" No Céu só existem santos, logicamente, todos, puríssimos, com extrema transparências de condutas: santificamo-nos!...
Outra observação. Qualquer postagem de assunto o mais rastaquera vale mais que qualquer pensamento duramente elaborado. Além, receitas de bolos e fofocas valem mais do que qualquer dissertação filosófica, por exemplo. (Eu continuo respeitando todos aqueles que ainda se valem desse meio de comunicação para postarem matérias - entre outras necessidades mais - que sejam do bom interesse comum.)
A "oportunidade" que me afastou de vez, foi a que se refere a composição de texto (?): maiúsculas, minúsculas, poluição gráfica, acentuação tônica, ortografia, organização do pensamento, construção de frases, construção de períodos, encadeamento, concatenação, ideias... Nada!
Inúmeras vezes recebi "textos nus"; nus e feridos. Se pelo menos eu pudesse agir como um "filólogo" (simples sentido)... Não! Eu tinha, pacientemente, que ler, reler e ler outra vez o material recebido, cedendo a ele as devidas paradas que exige cada pensamento, pontuá-las (dentro da cabeça), organizar as frases e períodos, e assim seguia...
(Adendo: Na poesia existe a "Licença Poética". Até hoje ainda não consegui quem me respondesse (inclusive eu mesmo) onde ela começa, onde ela acaba. Não se concede um pressuposto a quem não tem vida anterior, penso. Até que ponto "as poesias" usam o "lhe", dirigindo-se à 2ª pessoa do discurso,conscientemente? Ou seja, amparando-se em "ALGO". Para andar nós necessitamos das pernas.)
Retomando, e tudo isso não para por aí, é de se ter muito cuidado com a mensagem que enviamos (lembremo-nos de Garcia-Roza, que cita o caso do escravo que, de um reino a outro, trazia escrita na sua própria cabeça a mensagem que ordenava à sua própria morte, sem que soubesse)para outrem, pois (experiência própria) você convida alguém, por exemplo, para comer um peixe e o seu interlocutor responde que religião não se discute.
Desejo para você que criou este texto: R n 9 0 3 k s aiu -=++][´~ sejjai aj dd kkkoo da lloomm 55%% # 2 ** 9. Entendeu?
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