domingo, 11 de fevereiro de 2018

Acadêmico (04)

INTERPRETANDO "LOVE"

Tomemos a letra da canção intitulada “Love”, de Paulo Padilha (cd “Simone: Na Veia”, 2010). Nela, o enunciador apresenta apenas uma lista de ações que pretende ver praticadas pela pessoa amada (“Quero que você...”). Completam esse comando sintático dois itens lexicais: (a) um pronome objeto que faz a ação do verbo da segunda oração retornar para o sujeito de “quero”; e (b) verbos transitivos (apenas “baby” foge desse quesito) selecionados a partir de seus traços, prioritariamente, fônicos e, secundariamente, semânticos:

Quero que você me traga
Que você me trague
Quero que você me trombe
Que você me estrague

Quero que você me beije, baby
Que me beba e babe
Quero que você me pinte
Que me pegue e pague
Que você me cubra
Que você me cobre
Que você me cure
Que você me core
Que você me cace
E que você me coce
Quero que você me adote
Que você me adore
Quero que você me exploda
Que você me explore
Quero que você me cheire
Que você me chore
Quero que você me xingue
Que você me choque
Que você me livre
Que você me leve
Que você me lavre
Que você me lave
Que você me louve
E que você me love


A lista de desejos gera polissemia ou ambiguidade, conforme o gosto do analista. Mas, como dizia Saussure, a linguagem é a capacidade que os homens têm de comunicar-se por meio de signos (1972, p. 18). Devemos observar então que todas as ações pedidas/apresentadas pelo enunciador são, a princípio, favoráveis à consumação amorosa pretendida, pois até as metáforas de “trombar”, “caçar”, “explodir”, “xingar” podem ser facilmente convertidas em atos comprobatórios de uma paixão sem limites, físicos ou espirituais. Neste caso, porém, não interessam mais os signos, mas suas significações, que culminam na original solução morfossemântica da proposta de “que você me love”. Na simetria da estrofe terminada por verbos da 1a. conjugação (livrar>livre, levar>leve, lavrar>lavre, lavar>lave e louvar>louve) no presente do subjuntivo (com VT -e), a palavra inglesa “love” vira o verbo “lovar” do português, conjuga-se no paradigma da estrofe e resume como hiperônimo todos os verbos hipônimos dos versos anteriores.
Fonte: Léxico e Semântica: estudos produtivos sobre palavra e significação, 2a. edição (Rio de Janeiro: GEN, 2018)
- no prelo, vrs. expandida.

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