segunda-feira, 12 de fevereiro de 2018

Acadêmico (05)

INTERPRETANDO "PRA NÃO DIZER QUE NÃO FALEI DAS FLORES"

Como nossa “antena” reagiria diante da palavra “canhão”? Ela está presente numa música de Geraldo Vandré que se tornou um hino de resistência à ditadura: “Pra não dizer que não falei das flores” (1968, lp “Festival da Canção”).

Caminhando e cantando
E seguindo a canção
Somos todos iguais
Braços dados ou não
Nas escolas, nas ruas
Campos, construções
Caminhando e cantando
E seguindo a canção...

Vem, vamos embora
Que esperar não é saber
Quem sabe faz a hora
Não espera acontecer - (2 vezes)

Pelos campos há fome
Em grandes plantações
Pelas ruas marchando
Indecisos cordões
Ainda fazem da flor
Seu mais forte refrão
E acreditam nas flores
Vencendo o canhão...

A palavra “canhão” está usada metonimicamente nessa música. Aliás, há duas metonímias se confrontando nesse trecho: as flores, que representam a paz, e o canhão, que representa a guerra.
Observemos agora o trecho final:

Nas escolas, nas ruas
Campos, construções
Somos todos soldados
Armados ou não
Caminhando e cantando
E seguindo a canção
Somos todos iguais
Braços dados ou não...

Os amores na mente
As flores no chão
A certeza na frente
A história na mão
Caminhando e cantando
E seguindo a canção
Aprendendo e ensinando
Uma nova lição...

Vem, vamos embora
Que esperar não é saber
Quem sabe faz a hora
Não espera acontecer...

A letra de Geraldo Vandré está quase toda em linguagem figurada. Se repararmos no estribilho a expressão “Quem sabe faz a hora / Não espera acontecer”, é claro que não tomaremos seu sentido literalmente, pois ninguém faz a hora. A metonímia aqui se refere ao que simboliza essa palavra: “hora” é “tempo” e “tempo” é a própria vida. Quem sabe, age, decide sua vida; não espera acontecer...

Fonte: Léxico e Semântica: estudos produtivos sobre palavra e significação, 1a. edição (Rio de Janeiro: Elsevier, 2011).

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