lp “Velô”, 1984
Onde queres revólver, sou coqueiro
E onde queres dinheiro, sou paixão
Onde queres descanso, sou desejo
E onde sou só desejo, queres não
E onde não queres nada, nada falta
E onde voas bem alto, eu sou o chão
E onde pisas no chão minha alma salta
E ganha liberdade na amplidão.
Onde queres família, sou maluco
E onde queres romântico, burguês
Onde queres Leblon, sou Pernambuco
E onde queres eunuco, garanhão
Onde queres o sim e o não, talvez
E onde vês, eu não vislumbro razão
Onde queres o lobo, eu sou o irmão
E onde queres caubói, eu sou chinês.
Ah, bruta flor do querer...
Ah, bruta flor, bruta flor!
Onde queres o ato, eu sou o espírito
E onde queres ternura, eu sou tesão
Onde queres o livre, decassílabo
E onde buscas o anjo, sou mulher
Onde queres prazer, sou o que dói
E onde queres tortura, mansidão
Onde queres o lar, revolução
E onde queres bandido, eu sou o herói.
Eu queria querer-te amar o amor
Construirmos dulcíssima prisão
Encontrar a mais justa adequação
Tudo métrica e rima e nunca dor
Mas a vida é real e de viés
E vê só que cilada o amor me armou
Eu te quero e não queres como sou
Não te quero e não queres como és...
Ah, bruta flor do querer...
Ah, bruta flor, bruta flor!
Onde queres comício, flipper vídeo
E onde queres romance, rock'n roll
Onde queres a lua, eu sou o sol
E onde a pura natura, o inseticídio
E onde queres mistério, eu sou a luz
E onde queres um canto, o mundo inteiro
Onde queres quaresma, fevereiro
E onde queres coqueiro, eu sou obus.
O quereres e o estares sempre a fim
Do que em mim é de mim tão desigual
Faz-me querer-te bem, querer-te mal
Bem a ti, mal ao quereres assim
Infinitivamente impessoal
E eu querendo querer-te sem ter fim
E querendo te aprender o total
Do querer que há e do que não há em mim!
Fonte: Léxico e Semântica: estudos produtivos sobre palavra e significação, 1a. edição (Rio de Janeiro: Elsevier, 2011).
Obs.: Na 2a. edição (Rio de Janeiro: GEN, 2018) há uma proposta de análise léxico-semântica desse texto,
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