TEXTO I
Metade (Oswaldo Montenegro)
gravado no lp “Trilhas”, de 1977.
Que
a força do medo que tenho
Não
me impeça de ver o que anseio;
Que
a morte de tudo em que acredito
Não
me tape os ouvidos e a boca;
Porque
metade de mim é o que eu grito,
Mas
a outra metade é silêncio...
Que
a música que eu ouço ao longe
Seja
linda, ainda que tristeza;
Que a mulher que eu amo seja pra sempre amada
Mesmo
que distante;
Porque
metade de mim é partida
Mas
a outra metade é saudade...
Que
as palavras que eu falo
Não
sejam ouvidas como prece
E
nem repetidas com fervor,
Apenas respeitadas como a única coisa que resta
A um
homem inundado de sentimentos;
Porque
metade de mim é o que ouço
Mas
a outra metade é o que calo...
Que
essa minha vontade de ir embora
Se
transforme na calma e na paz que eu mereço;
E
que essa tensão que me corrói por dentro
Seja
um dia recompensada;
Porque
metade de mim é o que penso
Mas
a outra metade é um vulcão...
Que
o medo da solidão se afaste
E
que o convívio comigo mesmo
Se
torne ao menos suportável;
Que
o espelho reflita em meu rosto
Um doce sorriso que me lembro ter dado na infância;
Porque
metade de mim é a lembrança do que fui,
A
outra metade eu não sei...
Que não seja preciso mais do que uma simples alegria
para
me fazer aquietar o espírito
E
que o teu silêncio me fale cada vez mais;
Porque
metade de mim é abrigo
Mas
a outra metade é cansaço...
Que
a arte nos aponte uma resposta
Mesmo
que ela não saiba.
Traduzir-se (Ferreira Gullar) - extraído de Na Vertigem do Dia, 1980
Fonte: Poesia Completa e Prosa, 2008, p. 293-4.
gravado por Fagner no lp “Traduzir-se”, de 1981.
Uma parte de mim
é todo mundo;
outra parte é ninguém:
fundo sem fundo.
é todo mundo;
outra parte é ninguém:
fundo sem fundo.
Uma parte de mim
é multidão;
outra parte estranheza
e solidão.
é multidão;
outra parte estranheza
e solidão.
Uma parte de mim
pesa, pondera:
outra parte
delira.
pesa, pondera:
outra parte
delira.
Uma parte de mim
almoça e janta;
outra parte
se espanta.
Uma parte de mim
é permanente;
outra parte
se sabe de repente.
Uma parte de mim
é só vertigem;
outra parte,
linguagem.
outra parte,
linguagem.
Traduzir-se uma parte
na outra parte
– que é uma questão
de vida ou morte –
será arte?
na outra parte
– que é uma questão
de vida ou morte –
será arte?
Fonte: Léxico e Semântica, 1a edição (Rio de Janeiro: Elsevier, 2011).
Obs.: Na 2a. edição (Rio de Janeiro: GEN, 2018) há uma proposta de análise léxico-semântica desses dois textos,
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